Matriz. Ponta Delgada.
«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção…». Esta expressão que Jesus de Nazaré retoma do profeta Isaias e com a qual se identifica na Sua missão é-nos proclamada, em cada ano, para que progressivamente nos deixemos envolver e transformar de modo que a vocação e a missão de que somos revestidos sejam a participação do único sacerdócio de Jesus Cristo com o qual vivemos numa comunhão única que nos leva a aprender d’Ele e a assumir a missão que toma a sua força no chamamento e no envio que descobrimos no modelo evangélico dos Apóstolos.
Nesta celebração iremos renovar as nossas promessas sacerdotais. Renovar é tornar nova a força e o dinamismo da graça que nos foi derramada na celebração da nossa ordenação presbiteral. Deste modo reconhecemos que todo o nosso ser foi transformado pela Unção do Espirito de modo a que já não nos pertencemos a nós mesmos mas nos entregamos livremente a Jesus Cristo e à Sua Igreja.
Esta configuração a Jesus Cristo que envolve toda a nossa pessoa orienta de modo novo as nossas faculdades, os nossos critérios e modelos de vida. Incorporamo-nos num presbitério, em comunhão presbiteral, no qual e com o qual expressamos o nosso viver e a nossa missão. Aliás, todo o esforço de renovação pessoal deve projectar-se na renovação do presbitério. O mesmo acontece com a missão, o trabalho pastoral a desenvolver por cada um só terá eficácia quando realizada em comunhão com todo o presbitério.
Caros sacerdotes, convido-vos a vós e a mim convosco, a progredirmos na valorização do nosso presbitério, numa comunhão mais nítida e forte entre nós e no cuidar das nossas relações de modo que tudo contribua para uma maior dignificação do presbitério e retiremos do meio de nós tudo que seja ataque à comunhão presbiteral.
Mas Jesus de Nazaré toma do profeta Isaias a expressão de que o Espirito de Deus nos enviou. Transfigurados em Cristo, assumimos d’Ele a mesma profundidade na missão pastoral. Na verdade, o presbitério diocesano recebeu da Unção do Espirito e por mandato de Jesus Cristo a missão para ir onde Ele nos enviar.
Quem não compreender a missão pastoral a partir destas coordenadas que exigem uma liberdade interior e exterior para testemunhar a Boa Noticia de Jesus Cristo onde seja necessário, não experimenta a riqueza e a beleza da vocação sacerdotal.
Caros sacerdotes, convido-vos a vós e mim próprio para uma entrega livre e generosa na missão pastoral que quebre com uma tradição de vários séculos que nos transformaram em profissionais do sagrado, geraram a chaga do clericalismo e impediram a valorização de todo o povo de Deus e do exercício da liberdade pessoal que encara todos os lugares da missão como um desafio ao anuncio da Boa Nova.
Ajudemo-nos a ultrapassar o tempo em que a missão era calculada e premeditada por cada um segundo os seus interesses e vivamos na entrega total, à maneira de Jesus Cristo que veio para servir e não para ser servido.
São muito oportunas as advertências que o Papa Francisco nos dirige quando nos convida a deixarmos o clericalismo e os profissionais do sagrado e nos exorta a viver na disponibilidade e no serviço a todo o povo de Deus.
Jesus de Nazaré orienta as prioridades e as identificações do ministério dos Seus apóstolos quando refere que o Espirito que O ungiu e O enviou também Lhe indica que o anuncio deve ser dirigido antes de mais aos pobres e a acção própria deve redimir todos os que espera por esta redenção.
Esta proclamação leva-nos a questionarmos o nosso estilo de vida, quais as nossas aspirações e as situações de vida que privilegiamos. O Evangelho é muito claro ao colocar o pobre como aquele com quem nos devemos identificar e a quem devemos valorizar para uma dignificação da sua pessoa e para aprender dele o essencial da vida que não está no ter mas no ser e na comunhão com Deus e com os irmãos.
O pobre segundo o pensamento do Evangelho não é encarado como qualquer outra instituição publica. O pobre confronta, fala profeticamente e apela à comunhão, convida ao despojamento do próprio para viver orientado para os irmãos e para Deus. É aquele que faz a experiência de que a abertura a Deus exige o recolocar os bens do mundo no seu lugar e orientados para o seu fim. Eis a razão pela qual as Bem-aventuranças começam precisamente pela exaltação do modelo da felicidade a partir dos pobres.
Caros sacerdotes, eis o convite que nos é dirigido para ministério sacerdotal que deve ser vivido segundo o modelo apresentado pela Igreja na actualidade e respondendo à evangelização do mundo de hoje. De facto há três coordenadas que devemos aprofundar na nossa vida de sacerdotes: o Evangelho, a doutrina conciliar do Vaticano II e o conhecimento do mundo de hoje com as suas alegrias e os seus sofrimentos.
Recordo as palavras de S. João Paulo II que ao referir-se à permanente fisionomia do ministério sacerdotal mas também a atenção às exigências de cada época histórica diz que «também no ano Dois Mil, a vocação sacerdotal continuará a ser o chamamento a viver o único e permanente sacerdócio de Cristo» (PDV, 5). E acrescenta, «mas é igualmente certo que a vida e o ministério do sacerdote se deve “adaptar a cada época e a cada ambiente de vida (…) Da nossa parte, devemos, por isso, procurar abrir-nos o mais possível à superior iluminação do Espírito Santo, para descobrir as orientações da sociedade contemporânea, reconhecer as necessidades espirituais mais profundas, determinar as tarefas concretas mais importantes, os métodos pastorais a adoptar, e, assim, responder de modo adequado às expectativas humanas”» (Ib. 5).
O lema deste ano pastoral, «comunidade evangelizada em comunhão missionária», em pleno ano missionário, deve merecer da nossa parte, como sacerdotes, membros do povo de Deus, mas com um significativo papel no interior de cada comunidade, uma atenção privilegiada e o apelo a sermos os primeiros a viver este dinamismo.
Todos reconhecemos que para uma missão pastoral renovada exige-se de cada presbitério e de cada sacerdote a exigência da renovação. A formação permanente tão evidenciada e valorizada pelo Magistério da Igreja deve merecer de todos e de cada um dos sacerdotes uma atenção especial. Formação integral, que desenvolva todas as capacidades pessoais do sacerdote, deve estar nas preocupações de cada um. A síntese de toda a formação está numa vida espiritual renovada capaz de oferecer a alegria e serenidade, a criatividade e o entusiasmo na missão pastoral que se confronta com tantos desafios.
Estamos numa hora de muita exigência, de purificação e de renovação. De nós hoje, dependerá a credibilidade do ministério sacerdotal no meio do mundo actual.
Imploro de Nossa Senhora Mãe dos sacerdotes, Mãe e Rainha dos Açores que acompanhe o nosso presbitério nos caminhos da renovação e da missão pastoral no mundo de hoje.
+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores