Matriz. Ponta Delgada.

Esta celebração reveste-se de particular significado para todos nós sobretudo para queles que se vão comprometer com Deus e com a Sua Igreja, na fidelidade á sua doutrina, na adesão aos valores evangélicos e no testemunho cristão no meio do mundo.

Trazeis convosco uma rica tradição de relação com os Lugares Santos aos quais se referem as Escrituras mas sobretudo como local onde historicamente se desenvolveu a nossa Salvação. De olhar posto no Santo Sepulcro colocai-vos na expectativa da vida nova que nos vem do Ressuscitado.

É muito eloquente e inspiradora a passagem que nos é narrada nos Actos dos Apóstolos e que nos oferece o profundissimo quadro dos Apóstolos junto com Nossa Senhora em oração na expectativa de que se cumpra a promessa do Senhor de enviar o Seu Espirito.

Na verdade, a relação com Jesus Cristo é feita de maneira sublime através da oração pela qual Ele entra no coração do seu discípulo e este adquire a sabedoria para viver a experiência maravilhosa da comunhão divina, fonte de todos os bens e pela qual somos elevados até ao conhecimento da realidades que têm origem em Deus e nos projectam para uma esperança que não nos desilude.

Neste sentido, a Palavra de Deus coloca perante nós a figura de Maria de Nazaré no grandioso episódio da Anunciação no qual se revela de modo muito sensível o alcance do encontro de Deus com os Seus filhos. Deus quer tornar-se próximo das Suas criaturas, quer amá-las e manifestar-lhes a Sua ternura e misericórdia em linguagem que todos possam entender. Isto só é possível pela Encarnação do Verbo de Deus.

Se, por um lado, nos maravilha a contemplação deste encontro de Deus com Maria de Nazaré, por outro, reconhecemos que ele é continuado na história através da comunhão divina que em Jesus Cristo persiste em querer estar connosco.

Por isso, devemos prestar muita atenção ao diálogo que se estabelece entre o Mensageiro Celeste e a humilde Serva de Nazaré, os sentimentos que acarreta, as objecções que desperta, porque é a realidade presente em cada um dos baptizados, filho de Deus, que é chamado a continuar a obra da Salvação no mundo em que vive.

Começa o texto evangélico por afirmar que aquela simples mulher da Galileia tinha recebido Graça da parte de Deus. Na verdade,  nunca é demais meditarmos e aprofundarmos como toda a vida e toda a história é fruto da Graça divina. Num mundo tão cheio de si mesmo, no qual o homem parece que se quis apoderar de toda a obra criadora, colocando-se no lugar de Deus, é urgente recuperar esta verdade absoluta e necessária para uma correcta inteligência da criação e da referencia constante da vida humana à Graça divina.

Perante as dúvidas que são fruto da discrepância entre o chamamento que Deus dirige à pessoa humana e as capacidades de cada um, a serenidade só poderá vir da acção do Espirito Santo. Realmente, só pela actuação do Espirito Santo poderemos reconhecer o que Deus nos diz quando afirma: «Não temas».

O sim que forçosamente tem de saltar do nosso ser, numa entrega total à vontade de Deus, apoia-se tão só na presença constante do Espirito Santo na vida e na acção evangelizadora a que somos chamados.

O mundo de hoje coloca perante nós cristãos enormes desafios para os quais teremos de estar bem preparados. S. Paulo tinha consciência disso mesmo; por isso recomenda à sua comunidade cristã de Filipos que não se deixe dominar pelo temor, pelo contrário, diz ele «não vos inquieteis com coisa alguma». E, acrescenta, «mas, em todas as circunstâncias, apresentai os vossos pedidos diante de Deus, com orações, súplicas e acções de graças». Deste modo, «a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus».

Perante um cultura agressiva e intolerante, perante uma sociedade onde reina tanta injustiça e desigualdade, perante tanta desumanidade com que nos deparamos no dia a dia, necessitamos de serenar o nosso espirito para que, lucida e sabiamente, saibamos escutar o querer de Deus que inspirará a nossa inteligência não à maneira do mundo mas segundo o Seu Espirito.

Daí a preocupação pelo testemunho de vida que é mais convincente do que todas as palavras. Reconhecemos, deste modo, como é importante a advertência de S. Paulo quando diz que «tudo o que é verdadeiro e nobre, tudo o que é justo e puro, tudo o que é amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor é o que deveis ter no pensamento».

O mundo actual necessita de testemunhas verdadeiras do Evangelho. Já Paulo VI o dizia quando afirmava: «para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização». Assim compreendemos que «O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres» (EN, 41).

Muito nos sensibilizam e motivam a um testemunho autêncio da nossa adesão a Jesus Cristo as palavras de S. Paulo ao referir que «o que aprendestes, recebestes e vistes em mim é o que deveis praticar».

Certamente reconhecemos que este deverá ser a posição de cada um dos discípulos de Jesus Cristo para que na sua vida se possa ler a mensagem do Evangelho.

O Papa Francisco alertava os cristãos a partir de Colombia dizendo que «a nós, cristãos, é-nos exigido gerar “a partir de baixo” uma mudança cultural: à cultura da morte, da violência, responder com a cultura da vida e do encontro».

Permitam-me que recorde aqui uma outra passagem da homilia do Papa Francisco proferida na Colombia (9 Setembro 2017) na qual refere três condições para ser discípulo de Jesus Cristo nos tempos de hoje: a primeira é o convite a ir ao essencial; a segunda exalta a necessidade da renovação; a terceira refere-se ao deixar-se envolver.

Referindo-se à necessidade de ir ao essencial, o Santo Padre refere que «isto não significa “cortar com tudo”, cortar com o que não se nos adapta, pois Jesus também não veio revogar a lei, mas levá-la à sua plenitude (cf. Mt 5, 17)».Assim, «ir ao essencial é, antes, caminhar em profundidade rumo ao que conta e tem valor para a vida».

Quanto à novidade na vida do discípulo, o Papa afirma que «a renovação não nos deve meter medo». Pelo contrário, «a Igreja está sempre em renovação (Ecclesia semper renovanda)». Porém, «não se renova como lhe apetece, mas fá-lo “sólida e firme na fé, sem se deixar afastar da esperança do Evangelho que ouviu” (cf. Col 1, 23)». Assim, «a renovação implica sacrifício e coragem, não para nos considerarmos melhores ou impecáveis, mas para respondermos melhor à chamada do Senhor».

Por último, apelando aos cristãos para se deixarem envolver, sublinha que «a Igreja não é uma alfândega; precisa de portas abertas, porque o coração do seu Deus está, não apenas aberto, mas trespassado pelo amor que se fez dor». Na verdade, «não podemos ser cristãos que levantam continuamente a bandeira de “passagem proibida”, nem considerar que esta parcela é minha, apoderando-me de algo que absolutamente não é meu».

Por isso exclama dizendo que «a Igreja não é nossa, irmãos, é de Deus; Ele é o dono do templo e da seara; todos têm um lugar, todos são convidados a encontrar, aqui e entre nós, o seu alimento. Todos».

Termino implorando de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores que abençoe a todos vós que hoje vos comprometeis com a Igreja e com a evangelização através da vossa investidura nesta nobre e digna Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém.

Amen

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores