«Sou Migrante e Refugiado e me acolhestes»
A paz é um anseio profundo radicado em cada pessoa que nem sempre é alcançado. É dom e é tarefa.
A fé cristã oferece-nos a realidade da paz como dom de Deus que Ele oferece às Sua criaturas que se preparam para acolhê-lo. Na perspectiva do Povo Biblico é um dom escatológico que na óptica da fé cristã está associado à pessoa de Jesus de Nazaré. Por isso, com o nascimento do Messias é anunciada a paz aos homens de boa vontade.
Mas igualmente tarefa humana que exige um esforço continuo para criar as condições para que a paz reine entre os povos e entre as pessoas. Na verdade há muitos impedimentos que se colocam para que se possa viver a paz de modo estável e permanente.
Em cada ano, o Santo Padre, na sua mensagem para este dia, alerta para alguns obstáculos que dificultam a experiência da paz. Neste ano, o Papa Francisco desperta para a situação dos migrantes e refugiados, «homens e mulheres em procura de paz», para os quais pede que haja «uma corrente de apoios e beneficência, uma atenção vigilante e abrangente, a gestão responsável de novas situações complexas que às vezes se vêm juntar a outros problemas já existentes em grande número, bem como recursos que são sempre limitados».
Poderemos pensar que esta realidade é longínqua e que se passa muito além das fronteiras da nossa vida quotidiana e por isso, não nos sensibiliza e muito menos nos compromete. Eis, a atitude que deve ser combatida, à qual tantas vezes o Papa Francisco tem advertido e que se chama de indiferença.
Nenhum ser humano pode ser alheio à sorte de um seu semelhante. Muito menos um cristão poderá ignorar a situação de fragilidade dum irmão seu, a qual, pelo contrário, deverá despertar um sentimento de acolhimento, de partilha e de integração.
Se os refugiados se concentram em determinados pontos do planeta, normalmente fustigados pela guerra e pela violência ou pelas condições de vida degradantes, já as migrações são mais vastas e atingem praticamente todos os continentes e nações.
A migração é um direito de qualquer pessoa que deve ser garantido pelas autoridades públicas e pelos governos dos diversos países. Aliás, a nossa diocese conta com um elevado número de emigrantes e também com alguns imigrantes. Daí o apelo á consciência cada vez mais necessária para a realidade daqueles que abandonam a sua terra para se encontrarem com a paz ou com melhores condições de vida.
O Papa convida a lançar um olhar contemplativo para esta realidade, tantas vezes dramática, apoiados na visão profética de Isaias da nova Jerusalém, a qual segundo o sonho de Deus é descrita «como uma cidade com as portas sempre abertas, para deixar entrar gente de todas as nações, que a admira e enche de riquezas». Assim, «a paz é o soberano que a guia, e a justiça o princípio que governa a convivência dentro dela».
Estendendo este olhar contemplativo à nossa realidade, descobrimos que estes migrantes e refugiados «trazem uma bagagem feita de coragem, capacidades, energias e aspirações, para além dos tesouros das suas culturas nativas, e deste modo enriquecem a vida das nações que os acolhem». Realmente, só quem coloca sobre a realidade este olhar contemplativo poderá descobrir os sinais da vida e os rebentos de paz que brotam no meio da sociedade e se interessa por cuidar deles.
Daí que, perante esta situação, o Santo Padre convide a sociedade em geral e os cristãos em particular a esforçarem-se por acolher, proteger, promover e integrar.
Esta exigência brota da realidade da pessoa humana que deve ser respeitada nos seus direitos fundamentais, na hospitalidade e na protecção legal; em «reconhecer e tutelar a dignidade inviolável daqueles que fogem dum perigo real em busca de asilo e segurança, de impedir a sua exploração»; ao desenvolvimento humano integral; e, «permitir que refugiados e migrantes participem plenamente na vida da sociedade que os acolhe, numa dinâmica de mútuo enriquecimento e fecunda colaboração na promoção do desenvolvimento humano integral das comunidades locais».
Convido todos os diocesanos a colocarmo-nos na disposição de acolhimento e de promoção de integração e de protecção de toda a fragilidade humana. Com o olhar colocado nestes grandes dramas humanos que nos sensibilizam para a causa da paz, temos o dever de actuar nas situações que junto de cada pessoa, família, localidade e Região estão a desafiar-nos na transformação da vida daqueles que vivem em situações de carência e não vêem respeitada a sua dignidade humana.
Estamos a viver o período do Natal no qual saboreamos o maior de todos os dons de Deus que se manifesta no nascimento de Jesus de Nazaré, Filho de Deus e Principe da Paz. Deste modo, temos ao nosso alcance o dom da paz e a tarefa da sua conquista é mais fácil. Basta seguir os caminhos que nos são indicados pelo Filho de Deus.
Para todos os diocesanos que vivem no território da Região dos Açores e para todos os que estão na diáspora envio os meus votos de um Ano Novo cheio de Paz.
+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores