Santuário da Esperança.
«Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em Meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que Eu vos disse». Estas palavras que Jesus Cristo dirige aos Seus discípulos, anunciando a Sua partida e motivando-os para uma fase nova nas suas vidas, são as mesmas palavras com que o mesmo Senhor Jesus nos convida a uma renovada coragem para nos reconhecermos na nossa condição humana, no sentido que procuramos para a nossa existência, para discernirmos os sinais dos tempos que marcam a nossa cultura e sobretudo a exigência que nos cabe na missão por transformar o mundo no qual vivemos.
Contemplamos hoje a imagem de Cristo que nos é apresentado pela autoridade imperial como o modelo do homem. O ecce homo na aparência de um condenado é devolvido à multidão por Pilatos com a proclamação: «Eis o homem».
Na verdade, a pessoa humana necessita da luz nova e renovadora do Espirito de Deus para que se veja como ser humano na integralidade e na transcendência que lhe é própria, que cuide do autêntico humanismo e promova uma sociedade e uma cultura digna do ser humano.
Pilatos, após ter questionado Jesus de Nazaré sobre a verdade e sobre a transcendência do seu poder manifestado na humildade e no serviço, apresenta-O como o modelo do homem. Paradoxalmente, numa sociedade da época corroída pela destruição dos valores que edificam o ser humano, Jesus de Nazaré é colocado perante a multidão como aquele que pode reconstruir uma sociedade assente na dignidade da pessoa humana.
De igual modo a nossa época necessita de se reencontrar com Jesus Cristo para contemplar n’Ele o homem novo tão sonhado por toda a humanidade e tão difícil de conquistar.
São bem eloquentes as palavras do Concilio que dizem que «na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente» (GS, 22). Deste modo a Igreja na sua intenção de servir a pessoa humana e consciente da visão redutora que a cultura dos últimos séculos projectou sobre o homem, sublinha que ela «sabe perfeitamente que, ao defender a dignidade da vocação do homem, restituindo a esperança àqueles que já desesperam do seu destino sublime, a sua mensagem está de acordo com os desejos mais profundos do coração humano». E, ainda, sublinha que «longe de diminuir o homem, a sua mensagem contribui para o seu bem, difundindo luz, vida e liberdade; e, fora dela, nada pode satisfazer o coração humano: “fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não repousa em Ti”» (GS, 21).
Dadas as perplexidades do mundo actual, os seus erros e desumanidades, dadas as ambiguidades da nossa cultura na qual o pensamento está manipulado por interesses pessoais ou de grupo, dadas as situações sociais fruto de uma falta de humanismo que produz graves atropelos à dignidade humana, fortemente liderada por conveniencias económicas que geram pobreza, desemprego, marginalidade e novas periferias existenciais, temos necessidade de uma nova sabedoria.
Di-lo o Concilio quando afirma que «mais do que os séculos passados, o nosso tempo precisa de uma tal sabedoria, para que se humanizem as novas descobertas dos homens». E sublinha ainda que «está ameaçado, com efeito, o destino do mundo, se não surgirem homens cheios de sabedoria» (GS, 15).
Voltados para Cristo imploramos a luz do Seu Espirito para olharmos este mundo em que vivemos e no qual somos chamados a construir uma nova cultura.
No notável documento conciliar, a Gaudium et Spes, reconhece-se que «a humanidade vive hoje uma fase nova da sua história, na qual profundas e rápidas transformações se estendem progressivamente a toda a terra». Diz, ainda que «provocadas pela inteligência e actividade criadora do homem, elas reincidem sobre o mesmo homem, sobre os seus juízos e desejos individuais e colectivos, sobre os seus modos de pensar e agir, tanto em relação às coisas como às pessoas». Tem tal alcance «que podemos já falar duma verdadeira transformação social e cultural, que se reflecte também na vida religiosa» (GS, 4).
Para realizar a sua missão, a Igreja no diálogo que é chamada a estabelecer com este mundo, tem o dever de «investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas». Torna-se, por isso, «necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático» (GS, 4).
Esta auscultação dos sinais dos tempos está muito patente na primeira leitura, segundo a qual os Apóstolos e anciãos são chamados a interpretar o que o Espirito Santo diz à Igreja de Antioquia.
O caminho da Igreja é o homem real, concreto, ao qual ela, por mandato do seu Mestre e fundador é chamada a servir. Di-lo S. João Paulo II, na sua primeira Encíclica, com as eloquentes palavras que sublinham o seguinte: «trata-se do homem em toda a sua verdade, com a sua plena dimensão»; não se trata do homem “abstracto”, mas sim real: do homem “concreto”, “histórico”; trata-se de “cada” homem, porque todos e cada um foram compreendidos no mistério da Redenção, e com todos e cada um Cristo se uniu, para sempre, através deste mistério» (RH, 13).
A solicitude da Igreja diz respeito «ao homem todo, inteiro, e está centrada sobre ele de modo absolutamente particular. O objecto destes cuidados da Igreja é o homem na sua única e singular realidade humana, na qual permanece intacta a imagem e semelhança com o próprio Deus» (ib., 13).
Num outro passo, diz o saudoso Papa que «a Igreja vive o seu mistério e nele vai aurir sem jamais se cansar, e busca continuamente as vias para tornar este mistério do seu Mestre e Senhor próximo do género humano: dos povos, das nações, das gerações que se sucedem e de cada um dos homens em particular, como se repetisse sempre, seguindo o exemplo do Apóstolo: “Tomei a resolução de não saber, entre vós, outra coisa, a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado”» (RH, 7).
Deste modo e nesta confiança «a Igreja permanece na esfera do mistério da Redenção, que se tornou precisamente o princípio fundamental da sua vida e da sua missão» (ib., 7).
Somos convidados a reconhecer que «a tarefa fundamental da Igreja de todos os tempos e, de modo particular, do nosso, é a de dirigir o olhar do homem e de endereçar a consciência e experiência de toda a humanidade para o mistério de Cristo, de ajudar todos os homens a ter familiaridade com a profundidade da Redenção que se verifica em Cristo Jesus». Mas também e simultaneamente, «toca-se também a esfera mais profunda do homem, a esfera — queremos dizer — dos corações humanos, das consciências humanas e das vicissitudes humanas» (RH, 10).
Diante de Jesus Cristo, aqui adorado como Santo Cristo Milagroso, escutamos as palavras do Livro do Apocalipse que nos convidam à esperança e ao compromisso quando nos dizem «vi um novo céu e uma nova terra, porque o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido» e ainda «vou renovar todas as coisas».
Sim, se todos e cada um de nós, segundo as responsabilidades que nos cabem, nos dispusermos a trabalhar pelo bem comum, a dar uma nova prioridade aos mais marginalizados, a colocarmos como prioridade nas nossas decisões a dignidade do ser humano, a promover uma cultura da vida e a edificar uma sociedade assente na verdade, na justiça e no bem, então edificaremos os novos céus e a nova terra.
Sim, Jesus Cristo está perante nós a convidar-nos à ousadia de construir uma sociedade e uma cultura que para ser digna do ser humano exige a presença de Deus na vida pública.
Só em Deus nos reconhecemos na verdade do que somos, só em Deus podemos salvaguardar a transcendência de cada pessoa e só em Deus se constrói uma sociedade livre, fraterna e em que a igualdade se transforma em realidade efectiva.
Não tenhamos medo. Cristo diz-nos «Eu venci o mundo». Nós com Cristo e pela força do Seu Espírito também venceremos os sinais de morte neste mundo e edificaremos um mundo novo.
Imploramos de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores que abençoe os nossos governantes e autoridades publicas, as nossas crianças, jovens, famílias, adultos , idosos e doentes, e todos os que vivem na diáspora e junto do Seu Filho nos encaminhe pela edificação do homem novo na verdade, na justiça, no serviço e na paz.
+João Lavrador
Bispo de Angra e Ilhas