«Convertei-vos e acreditai no Evangelho»
O Mistério Pascal que celebra a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Jesus de Nazaré é o centro de toda a vida cristã. Como tal, para Ele tudo converge e d’Ele tudo provem.
Se é importante a celebração pascal como a vivência do mais fundamental da vida cristã, corresponde-lhe um período de preparação que merece o máximo interesse e o máximo cuidado.
A Quaresma, os quarenta dias que antecedem a celebração da Páscoa de Jesus Cristo, é um convite à escuta e meditação mais intensas da Palavra de Deus, à oração mais fervorosa, à partilha fraterna mais efectiva sobretudo com os mais pobres e excluídos.
Acresce o itinerário litúrgico que, semana a semana, conduzidos pela Palavra de Deus e pelos Sinais que n’Ela se revelam, os baptizados são convidados a aprofundar a grandeza, alegria e o compromisso do seu baptismo.
Na condição de discípulos de Jesus Cristo, cada cristão e cada comunidade empenham-se numa caminhada de encontro pessoal e comunitário com o Senhor crucificado, morto e ressuscitado, para com Ele gozarem da vida nova que se experimenta na partilha comunitária, na vivência eucarística e na missão da Igreja.
A Quaresma, em todas as suas exigências e acções, revela-se como um tempo favorável para a edificação de uma pessoa nova que só se alcançará pelo esforço pessoal, sem dúvida, mas sobretudo pela comunhão de vida com Cristo.
Eis o caminho de conversão a que todo o cristão se sentirá impulsionado em percorrer e que servirá de testemunho para toda a pessoa que em qualquer contexto cultural, religioso, social, mas sempre humano, aspire a alcançar a realização plena do seu ser e dos seus sonhos.
Na verdade, a pessoa, na sua condição de criatura, transporta dentro de si a aspiração à vida vivida em plenitude, mas igualmente faz a experiência das suas limitações, fragilidades e frustrações.
Também no âmbito social e cultural, a humanidade tem necessidade de se colocar no âmbito de um itinerário de conversão pessoal e comunitária.
Os sintomas são evidentes e a reclamar esta mesma mudança no intimo de cada pessoa para que algo de novo seja vivido a nível social. Não é estranho a ninguém que os ataques à vida, à dignidade pessoal, o flagelo da guerra e dos exilados, a exclusão social, cultural e religiosa, a miséria e o analfabetismo, as desigualdades sociais gritantes, a mentira reinante e a injustiça que impera, reclamam uma conversão de critérios, de valores, de opções, dos centros de interesse, das linhas de pensamento, das fontes inspiradoras e dos modelos de vida da humanidade (Cfr. EN, 19) que contrastam com a dignidade humana mais profunda e transcendente.
São muito eloquentes e de extrema actualidade as palavras com as quais o Papa Francisco nos desafia dizendo que «a melhor maneira de colocar o ser humano no seu lugar e acabar com a sua pretensão de ser dominador absoluto da terra, é voltar a propor a figura de um Pai criador e único dono do mundo; caso contrário, o ser humano tenderá sempre a querer impor à realidade as suas próprias leis e interesses» (LS, 75).
O tempo da Quaresma é, deste modo, uma ocasião para que cada ser humano se coloque perante o essencial e deixe de carregar com o assessório, que centre a sua vida no amor que se manifesta na abertura para Deus e para os irmãos, que alcance a realização na comunhão com Cristo e com os seus semelhantes.
Realmente «a sobriedade, vivida livre e conscientemente, é libertadora» (LS,223). De facto, «não se trata de menos vida, nem vida de baixa intensidade; é precisamente o contrário» (Ib., ). Deste modo, «as pessoas que saboreiam mais e vivem melhor cada momento são aquelas que deixam de debicar aqui e ali, sempre à procura do que não têm, e experimentam o que significa dar apreço a cada pessoa e a cada coisa, aprendem a familiarizar com as coisas mais simples e sabem alegrar-se com elas» (Ib.,).
Convido todos os cristãos a viverem profundamente este tempo quaresmal, assumindo o itinerário litúrgico e as etapas de crescimento na conversão que ele proporciona, e a testemunharem ao mundo as fontes da vida nova que querem alcançar toda a humanidade através da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.
Convido todos os sacerdotes a proporcionarem, sobretudo neste tempo quaresmal, o acesso de todos os cristãos ao sacramento da reconciliação, meio por excelência para saborear o abraço misericordioso de Deus pelo perdão dos pecados; a cuidarem da pregação da Palavra de Deus e a proporem o dinamismo penitencial através da identificação das etapas de cada semana e dos Sinais que brotam da liturgia dominical; a cuidarem das celebrações litúrgicas e de tempos de oração comunitária de modo a uma valorização deste tempo; elaborarem algumas catequeses para ajudar a aprofundar a vivência da fé e a iluminar a dinâmica da conversão pessoal e comunitária.
Mas convido também todas as pessoas de boa vontade, que se interrogam sobre o sentido da vida e aqueles que sentem a necessidade de uma mudança pessoal, cultural e social a deixarem-se conduzir pela força do Espirito Santo que actua em todos os corações que com rectidão procuram os valores que só poderão vir de Deus.
A este propósito recorro às palavras do Papa Francisco na sua mensagem da quaresma deste ano, na qual afirma o seguinte: «gostaria que a minha voz ultrapassasse as fronteiras da Igreja Católica, alcançando a todos vós, homens e mulheres de boa vontade, abertos à escuta de Deus». E acrescenta «se vos aflige, como a nós, a difusão da iniquidade no mundo, se vos preocupa o gelo que paralisa os corações e a ação, se vedes esmorecer o sentido da humanidade comum, uni-vos a nós para invocar juntos a Deus, jejuar juntos e, juntamente connosco, dar o que puderdes para ajudar os irmãos!».
Como já é habitual, o fruto da renúncia de cada cristão materializa-se na oferta que se destina a uma causa que se apresente com alguma urgência de solução. Neste ano a renúncia quaresmal destina-se à ajuda na recuperação das vidas, casas e demais haveres, das vítimas dos incêndios, nomeadamente nas dioceses de Portalegre – Castelo Branco e Viseu. Exortamos ao generoso contributo de todos.
Tal como refere o Papa Francisco, «convido, sobretudo os membros da Igreja, a empreender com ardor o caminho da Quaresma, apoiados na esmola, no jejum e na oração». E, ainda, «se por vezes parece apagar-se em muitos corações o amor, este não se apaga no coração de Deus! Ele sempre nos dá novas ocasiões, para podermos recomeçar a amar» (Mensagem da Quaresma 2018).
Imploro de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que acompanhou o Seu Filho no Seu itinerário da Paixão e Morte e se alegrou com a Sua Ressurreição que abençoe a nossa diocese e os seus diocesanos, nomeadamente os mais pobres e excluídos, e nos acompanhe pelos caminhos da conversão e da renovação pascal.
+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores