Sé Catedral. Angra.

Acabámos de escutar na segunda leitura, vinda da parte de S. João, a maravilhosa expressão «Vede que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamar filhos de Deus. E somo-lo de facto». Eis a constatação que importa aprofundar e que está na raiz da nossa realidade humana e  cristã. Somos na verdade filhos de Deus.   Como filhos somos da mesma natureza do Pai. Isto é, a vida de Deus está presente e impregna a nossa própria existência. Já o somos pela criação mas somo-lo de modo consciente, livre e por participação na vida de Jesus Cristo pelos sacramentos da iniciação cristã, baptismo, confirmação e eucaristia.

Mas S. João vai mais além ao revelar-nos que esta filiação divina se vai manifestando e crescendo de modo progressivo. Diz ele, «ainda não se manifestou o que havemos de ser». Porque segundo o Apóstolo e Evangelista quando se manifestar veremos a Deus como Ele é.

Eis a maravilhosa caminhada de fé, de esperança e de amor fraterno que nos é apresentada neste dia em que colocamos o nosso olhar naqueles que são para nós testemunhas da santidade de Deus e que já alcançaram a plenitude da vida divina e participam da glória destinada a todos os que viveram em comunhão com Cristo e com os irmãos.

Daí a pergunta que é lançada na primeira leitura do livro do Apocalipse: «quem são estes que estão junto do Cordeiro?». A resposta, embora em linguagem própria deste livro sagrado, é dirigida a cada um de nós e à comunidade cristã no seu todo quando diz que são aqueles «que vieram da grande tribulação, os que lavaram as túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro».

Tribulação e sofrimento que caracteriza a vida de cada pessoa, que estão presentes no itinerário de conversão pessoal e comunitário, que se revelam na entrega total à missão evangelizadora dos discípulos de Jesus Cristo. Numa palavra, em comunhão com a Páscoa de Jesus de Nazaré, mergulhados no mistério da sua morte e ressurreição, tornamo-nos igualmente participantes da Sua glória.

Importa lembrar o que Jesus de Nazaré, em determinada ocasião, perante uma visão triunfalista da missão por parte dos Seus Apóstolos, Lhes dizia: «quem quiser seguir-Me, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me».

Caro Fábio que irás ser ordenado de diácono para manifestar na comunidade cristã a beleza do serviço que caracteriza o ser e a missão da Igreja e vós jovens que ireis receber ministérios laicais, também eles focados numa comunidade cristã que é chamada à diversidade de carismas e ministérios, tendes neste apelo à santidade que brota da nossa filiação divina e na comunhão com o mistério pascal de Jesus Cristo o fundamento mais sólido para a plena realização pessoal e comunitária.

Permitam-me que vos exorte com as mesmas palavras do Papa Francisco quando diz: «deixa que a graça do teu Batismo frutifique num caminho de santidade. Deixa que tudo esteja aberto a Deus e, para isso, opta por Ele, escolhe Deus sem cessar. Não desanimes, porque tens a força do Espírito Santo para tornar possível a santidade e, no fundo, esta é o fruto do Espírito Santo na tua vida (cf. Gal 5, 22-23)» GE, 15).

Aprofundar a nossa condição de filhos de Deus, contemplar a maravilha de que se reveste o nosso ser e a nossa missão e fazer a belíssima experiência de amor que nos imerge na páscoa de Jesus de Nazaré, faz-nos descobrir o sentido novo do que somos e encaminhanos nas sendas da missão que descobrimos no encontro com Jesus Cristo.

Vós estais a ser para nós hoje um desafio concreto, pessoal e clarividente de que Jesus Cristo chama e envia, pela Sua graça faz-nos saborear a nossa condição de filhos de Deus e, pela acção do Espirito Santo, desperta carismas em ordem ao serviço que cada baptizado deve exercer na comunidade cristã para que esta se torne verdadeiramente expressão de comunhão e exerça a missão no meio do mundo.

Carissímo Fábio e vós jovens que ireis assumir a responsabilidade de exercer os ministérios laicais na comunidade cristã, a Palavra de Deus oferece-nos os critérios verdadeiros do serviço que se encontram nas Bem-aventuranças.

Diz-nos o Evangelho que Jesus de Nazaré perante uma grande multidão, subiu a um monte e estava rodeado dos discípulos e começou a ensiná-los. Este mesmo facto está a acontecer hoje connosco.  Estamos rodeados por uma grande multidão de gente que necessita de escutar a Palavra da vida e os gestos salvadores de Deus; estamos à volta de Jesus Cristo porque necessitamos de aprender d’Ele qual o caminho de realização pessoal e os gestos libertadores que nos ofereçam a dignidade perdida pelo pecado; e, Jesus determinadamente aponta o caminho porque sabe que nos vai pertencer a nós levarmos a Sua missão junto dos irmãos que esperam pelo nosso serviço.

Jesus Cristo oferece-nos hoje o projecto de vida plena e de realização total nas Bem-aventuranças. Contrasta com o projecto do mundo e desafia a ilusão da cultura actual porque está fundamentado no amor, na misericórdia, na ternura e no desprendimento para acolher o outro que necessita de cada um de nós.

É um projecto para ser vivido e experimentado. Só deste modo reconheceremos o alcance o valor da proposta de Jesus Cristo para o mundo de hoje.

Vem a propósito um parágrafo da Exortação Apostólica «Gaudete et Exsultate», sobre a santidade no mundo actual, no qual diz que «sobre a essência da santidade, podem haver muitas teorias, abundantes explicações e distinções» (nº 63). Aliás, «uma reflexão do género poderia ser útil, mas não há nada de mais esclarecedor do que voltar às palavras de Jesus e recolher o seu modo de transmitir a verdade» (nº 63).

De facto, «Jesus explicou, com toda a simplicidade, o que é ser santo; fê-lo quando nos deixou as bem-aventuranças (cf. Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-23)» (nº 63).  Realmente, «estas são como que o bilhete de identidade do cristão. Assim, se um de nós se questionar sobre “como fazer para chegar a ser um bom cristão”, a resposta é simples: é necessário fazer – cada qual a seu modo – aquilo que Jesus disse no sermão das bem-aventuranças» (nº 63).

Na verdade, «nelas está delineado o rosto do Mestre, que somos chamados a deixar transparecer no dia-a-dia da nossa vida» (nº 63).

Expressiva síntese que nos ajuda a reconhecer a beleza do caminho da santidade e a impregnar a missão eclesial com a prática das Bem-aventuranças.

Imploro para vós candidatos ao Diaconado e aos ministérios laicais as bênçãos de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, a intercessão do Beato João Baptista Machado e de todos os Santos para que sintais sempre muito viva a alegria na dedicação ao serviço do Evangelho na Igreja e no mundo de hoje.

 

+ João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores