Matriz da Horta, 03 Set 2016.
«Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser Meu discípulo».Com esta expressão com a qual Jesus de Nazaré interpela a multidão que O seguia e nos interpela a cada um de nós, lança-se luz sobre a celebração que nos reúne hoje na ordenação presbiteral do Diácono Pedro Lima.
A primeira leitura coloca a problemática da sabedoria que só a partir da revelação divina nos poderá guiar até ao conhecimento das verdades fundamentais para a vida da pessoa humana.
Na verdade a cruz de Jesus Cristo, reveladora do amor divino, é fonte paradoxal de sabedoria. Di-lo S. Paulo quando refere que os judeus pedem milagres e os gregos sabedoria racional, e ele não tem outra coisa para oferecer senão a Sabedoria que brota da Cruz. Sendo escândalo para os judeus e loucura para os gentios, contudo, para «os chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus».
É desta nova sabedoria que brota da Cruz que o discípulo é chamado a fazer a experiência pessoal e comunitária e dela ser testemunha.
A vida do presbítero não se compreende e não se pode viver como fonte de alegria permanente senão à luz da Cruz como sinal visível do Amor pleno e da Vida Nova que dela brotam. Na verdade, imerso no mistério pascal de Jesus Cristo, o presbítero adquire a verdadeira sabedoria que provem do amor, que é entrega total, comunhão inseparável e doacção sem reservas.
Aí no mistério da Cruz dá-se uma nova configuração que faz sentir tal como diz S. Paulo, «esquecendo-me do que está para trás e lançando-me para o que vem à frente, corro em direcção à meta» (Fil. 3, 13-14).
É uma vida nova que impregna o nosso ser de modo que estando no mundo somos portadores de uma experiência que não se limita a este mundo. Muito pelo contrário, reflecte-se em nós a sabedoria que vem de Deus de tal modo que poderemos afirmar com Jesus Cristo «quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo».
Porque é seguimento no amor, não poderá ter outra expressão senão a exclusividade, o absoluto do ser sobre o ter e a identificação com o Mestre sobre as dependências pessoais.
Eis o caminho que nos conduz à verdadeira liberdade. Liberdade em relação às coisas, em relação às pessoas e em relação a si próprio.
As exigências da vida cristã e sobretudo sacerdotal, de pobreza, castidade e obediência situam-se nesta dimensão da exclusividade no amor e da autêntica liberdade.
Caro Pedro vais viver o exercício do teu ministério presbiteral num tempo novo. Esta novidade atinge o mundo onde vivemos e reflete-se na Igreja na qual nos integramos e servimos.
Estamos no mundo concreto não para nos conformarmos com ele mas para lhe oferecermos em atitude de compreensão e de diálogo a Boa Noticia que é Jesus Cristo.
Jesus na oração sacerdotal, rezava ao Pai dizendo «não peço que os tires do mundo mas que os livres do maligno» (Jo. 17, 15). Este é o mundo onde és chamado a exercer o teu ministério que foi definido pelo concilio como «a inteira família humana, com todas as realidades no meio das quais vive; esse mundo que é teatro da história da humanidade, marcado pelo seu engenho, pelas suas derrotas e vitórias; mundo, que os cristãos acreditam ser criado e conservado pelo amor do Criador; caído, sem dúvida, sob a escravidão do pecado, mas libertado pela cruz e ressurreição de Cristo, vencedor do poder do maligno; mundo, finalmente, destinado, segundo o desígnio de Deus, a ser transformado e alcançar a própria realização» (GS, 2).
Daí que o Concilio realce o facto de que «para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas» (GS, 4).
Mas para tal tarefa é «necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático» (GS, 4).
Grande e maravilhosa missão que te é confiada. Mas igualmente vais exercer o teu ministério de presbítero numa fase nova da Igreja. Apoiado na doutrina conciliar, desafiado pelo pontificado dos Papas pos-conciliares e impulsionado pelas palavras e pelos gestos proféticos do Papa Francisco, toma a determinação de configurares a tua vida com as exigências da Igreja nesta hora de graça e de bênção.
Rejeita qualquer tentação de funcionalismo e opta decididamente por ser o Pastor à imagem do Bom Pastor que a todos acolhe que a todos serve, com todos se compadece e com todos se alegra.
Que o teu lema seja de serviço desinteressado à semelhança de Jesus Cristo e de disponibilidade para estar onde o Senhor te queira para testemunhares a beleza do Seu Reino.
Afasta qualquer propósito de activismo. Que toda a tua acção seja norteada pela oração, nela comece e a ela encaminhe. Assim nos exorta S. João Paulo II ao dizer, que só se o presbitero for formado e continuar «a formar-se na escola de Jesus orante, é que poderá formar os outros na mesma escola». E acrescenta afirmando que «isto mesmo lhe pedem os homens : “O sacerdote é o homem de Deus, aquele que pertence a Deus e faz pensar em Deus» (PdV, 47).
E, por último sublinha que «os cristãos esperam encontrar no sacerdote não só um homem que os acolhe, que os escuta com todo o gosto e lhes testemunha uma sincera simpatia, mas também e sobretudo um homem que os ajuda a ver Deus, a subir em direcção a Ele»(PdV, 47).
Recomenda então o saudoso Papa, «é necessário, portanto, que o sacerdote seja formado para uma profunda intimidade com Deus» (PdV, 47).
Não te deixes levar pelo individualismo. Integraste na comunhão de um presbitério. Esta é uma das fundamentais exigências para o ser e para o agir do presbítero.
A vida pastoral que responda aos tempos de hoje que se dirige «a todo o Povo de Deus e postula um novo ardor, novos métodos e uma nova expressão para o anúncio e o testemunho do Evangelho, exige sacerdotes, radical e integralmente imersos no mistério de Cristo, e capazes de realizar um novo estilo de vida pastoral, marcado por uma profunda comunhão com o Papa, os Bispos e entre si próprios, e por uma fecunda colaboração com os leigos, no respeito e na promoção dos diversos papéis, carismas e ministérios no interior da comunidade eclesial» (PdV, 18).
Realço este novo estilo de vida pastoral marcado pela comunhão em presbitério e como incentivador de carismas e ministérios, configurando uma nova maneira de ser comunidade cristã que responda à exigência evangélica e aos tempos de hoje.
A Igreja convida a servir a comunidade cristã em actitude de caridade pastoral que se traduz na experiência de discípulo missionário que abre as portas da Igreja para se colocar em saída ao encontro das periferias existenciais.
É muito exigente o tempo em que vais desenvolver a tua missão de presbítero mas é muito aliciante e maravilhoso.
Termino implorando de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que te abençoe a ti e ao teu ministério e que guie os teus passos na alegria e na santidade.
Amen.
+João Lavrador
Bispo de Angra e Ilhas dos Açores