Turlock, Califórnia.
Estamos a celebrar o ano dedicado à misericórdia, durante o qual a Igreja nos convida a fazermos a experiência da misericórdia divina e a traduzi-la em gestos concretos para com os nossos irmãos.
Ao celebrarmos a festa em honra de Nossa Senhora de Fátima somos convidados não só a evocar a mensagem que Nossa Senhora trouxe a Fátima, mas sobretudo a sentirmo-nos interpelados por esta mesma mensagem.
Na verdade, na mensagem de Fátima está um forte apelo à misericórdia e à compaixão.
No desenvolvimento das diversas aparições é revelado o coração amoroso de Deus e a sua ternura para com os seus filhos, sobretudo os que se encontram mais afastados da comunhão com Ele. Mas é revelante que na aparição do Anjo e o memorizar da oração maravilhosa que os pastorinhos repetiram tantas vezes se manifesta o coração terno e misericordioso de Deus.
Igualmente, Nossa Senhora interpela os pastorinhos para que reconheçam o coração misericordioso de Deus, o sofrimento que os pecados provocam em Jesus Cristo e o convite a entregarem-se através da oração e dos sacrifícios para que o Senhor não fosse mais ofendido.
Realmente, há uma sintonia entre a mensagem de Fátima e a revelação bíblica segunda a qual Deus é misericordioso e cheio de compaixão.
Percorrendo salmo 136 deparamo-nos com um cântico sobre a beleza da criação e há uma exclamação que se vai repetindo como um autêntico refrão e que diz: « Eterna é a sua misericórdia». Como se pode ler na Bula «Misericordiae Vultus», «o facto de repetir continuamente “eterna é a sua misericórdia ”, como faz o Salmo, parece querer romper o círculo do espaço e do tempo para inserir tudo no mistério eterno do amor». E, acrescenta que «é como se se quisesse dizer que o homem, não só na história mas também pela eternidade, estará sempre sob o olhar misericordioso do Pai» (nº 7).
Reconhecemos que os apelos de Nossa Senhora dirigidos em Fátima aos três pastorinhos centram a nossa atenção em Jesus Cristo. Já na Boda de Caná, Maria de Nazaré presente na mesma festa nupcial e vendo que faltava o elemento essencial para a alegria chama a atenção do Seu Filho para as necessidades dos convivas mas igualmente propõe aos seus discípulos que façam o que Ele lhes disser.
Também em Fátima, Nossa Senhora veio alertar para as necessidades dos homens do nosso tempo, como se estão a afastar da verdadeira alegria e como teimosamente caminham para a sua destruição, porque progressivamente foram abandonando a Deus. Mas veio convocar a humanidade, paradoxalmente através de três crianças, para que faça o que Jesus Cristo lhe disser.
Como afirma o Papa Francisco, «precisamos sempre de contemplar o mistério da misericórdia». Porque a misericórdia «é fonte de alegria, serenidade e paz». Mas é igualmente «condição da nossa salvação». Assim, misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade; é o acto último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro; é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida; é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado (Cfr. MV, 2).
Realcemos esta expressão com a qual o Papa nos diz que pela misericórdia se une Deus e o homem e se abre o coração à esperança de sermos amados para sempre apesar do nosso pecado, mas diz também que através da misericórdia se desvenda o nosso olhar para vermos as necessidades dos nossos irmãos caminham connosco nos caminhos da vida.
A mensagem de Fátima, através de expressões muito próprias, convida a esta reconciliação com Deus e a voltarmo-nos para os nossos irmãos sobretudo os mais marginalizados.
O mundo de hoje marcado pelo progresso nunca viveu tanta exclusão social e tantas ameaças à vida humana. Deparamo-nos frequentemente com o desespero, com a angústia e com as ameaças constantes à vida humana. Paira no universo mundial a constante ameaça de destruição de povos contra povos e de desigualdades ameaçadoras da verdadeira convivência fraterna entre todos os homens.
O progresso manifesta-se deste modo como incapaz de oferecer ao ser humano as respostas últimas à sua dignidade e transcendência. O mundo precisa de Deus e sobretudo de saborear a misericórdia que Deus revela através da acção concreta da Sua Igreja.
Constatamos que «a tentação de pretender sempre e só a justiça fez esquecer que esta é apenas o primeiro passo, necessário e indispensável, mas a Igreja precisa de ir mais além a fim de alcançar uma meta mais alta e significativa». Mais ainda, «é triste ver como a experiência do perdão na nossa cultura vai rareando cada vez mais. A tal dimensão que «até a própria palavra parece desaparecer» (MV, 10).
A resposta da Igreja deve ser a misericórdia. Recorda-o o Santo Padre ao dizer que «a arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia». E, acrescenta que «toda a sua acção pastoral deveria estar envolvida pela ternura com que se dirige aos crentes; no anúncio e testemunho que oferece ao mundo, nada pode ser desprovido de misericórdia». Porque «a credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo» (MV, 10).
Nossa Senhora que nos visitou em Fátima, continua a acompanhar-nos na nossa vida cristã e porque conhece como ninguém o coração terno e bondoso do Seu Filho, convida-nos permanentemente a voltarmo-nos para Deus para saborearmos a Sua misericórdia e empenharmo-nos na construção de uma sociedade mais humanizada que o será tanto mais quanto colocar a Deus no centro da vida pública de modo que todas as acções das pessoas estejam orientadas pela vontade salvífica de Deus.
Imploro de Nossa Senhora de Fátima que abençoe todas as famílias, as crianças, jovens e idosos, os doentes e os que sofrem alguma perturbação e nos encaminhe pelas sendas da evangelização do mundo de hoje.
Amen.
+João Lavrador, Bispo de Angra e das Ilhas dos Açores
1 de Outubro de 2016