Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Ponta Delgada |10 de março de 2023 [PDF]
Um Rei que se apresenta com uma coroa e espinhos?
Por mais belos e esplendorosos que sejam os adornos da nossa Imagem do Santo Cristo dos Milagres, nunca deixará de ser a imagem do homem das dores com a sua coroa e espinhos cravados na cabeça. São essas as insígnias do nosso Rei e Senhor.
E nós?… Quais são as nossas medalhas?
Nesta Novena que hoje termina, sobressaiu, em cada dia, a presença jovem com os seus símbolos da JMJ – Cruz e Ícone da Mãe mesmo se em design juvenil – mas também os da sua juventude: a alegria, a música, a simplicidade, a generosidade, a amizade e a pressa que cada jovem traz para fazer este mundo melhor, porque, como em Maria, também neles há pressa no ar! Obrigado, caros, jovens. Juntos, seguimos Cristo, o eternamente jovem e que, mesmo que muitos sinais pareçam dizer o contrário, continua a chamar e a apaixonar jovens, homens e mulheres de todo o mundo.
Um Rei com coroa e espinhos? Este Homem das Dores, mostrado do alto do Pretório de Pilatos, merece bem a coroa como ninguém e aceita-a, mesmo sendo cheia de espinhos! Uma coroa que lembra a glória que vem do bem servir, como ato de amor até ao fim e por isso eterno. Continua-se hoje aqui. Naquele momento, o Rei vai a caminho do trono feito de dois madeiros em forma de cruz. Dos espinhos sobrarão as feridas como prova desse amor. Um espinho é como um prego espetado na madeira, deixa marcas. Pode-se arrancar do corpo humano, mas ficará a sua marca gravada, como uma medalha das batalhas… Essas mesmas marcas, mostrou Cristo ao seu jovem discípulo S. Tomé como prova da sua Morte e Ressurreição. No final, também já ele pode gritar: “Meu Senhor e meu Deus!”. Acredito que se tenha atirado aos pés do Seu Salvador e Mestre, corado de vergonha por não o ter reconhecido nas palavras de quem lhe dizia já há uma semana: vimos o Senhor!
É este Cristo, Rei marcado pelos espinhos que nos é aqui centro de devoção e pede atitude penitente. Contemplamo-lo como o fez Teresa de Anunciada, uma jovem apaixonada pelo seu “mestre e Fidalgo”, conhecido na escola da sua Paixão, Morte e Ressurreição, onde aprendeu a sabedoria da cruz. Disto falava já S. Paulo dizendo: “a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus. Nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Mas a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.” 1 Cor 1, 23-25. É nesta santa loucura que ela desenvolve uma intimidade amorosa com o Senhor vivo representado na imagem que aprendeu a cuidar, a embelezar e a mostrar qual convite ao arrependimento, à purificação, à conversão.
Ao estar aqui, consigo-a imaginar, como S. Francisco de Assis ou mais recentemente o Padre Pio que, por ser tão grande a identificação com Cristo sofredor e a vontade de o imitar, ficaram também eles com as feridas de Cristo gravadas nas mãos, pés e lado, sempre em carne viva. Não aconteceu com Teresa de Anunciada ficar com os estigmas como estes santos, mas, estou certo que igual amor a devorou e iguais marcas teria na alma. E esta jovem dedicou-Lhe tudo da vida e mais que tivesse. Um jovem quando ama de verdade apaixona-se, não olha a dificuldades, às vozes do contra, segue em frente!
Ela mesmo conta que tudo ia fazendo para cuidar da imagem e “quanto mais o cuidava mais aumentava o meu amor e devoção para com Ele”, mais Ele se revelava.
Quanto precisamos deste zelo por cada rosto de Cristo para o iluminar com a vida no meio deste mundo.
As Leituras ajudam-nos a identificar espinhos no caminho da humanidade de hoje:
Na 1ª, tudo se concentra numa túnica de mangas largas. Esta túnica é sinal da predileção de Jacob pelo seu filho mais novo e do ciúme que germina e cresce no coração dos irmãos de José. O ciúme transforma-se em ódio e o ódio quer vingança que pede a morte. O sangue, porém, mancha as mãos e todos concordam em não o matar decidindo vendê-lo por vinte moedas de prata e deram-no como morto.
Podíamos aqui identificar o espinho que fere Cristo e que resulta de todos os ódios ou indiferenças, o espinho da falta de respeito pelos frágeis, sejam menores, pobres, indefesos, presos ou doentes, o espinho dos que usam as pessoas não se importando se ferem ou matam a sua dignidade, o espinho do tráfego de seres humanos ou todo o género de abusos, também os sexuais, nestes dias relatados dentro da própria Igreja e por quem, clérigos ou leigos que os deveriam defender. Mas, ao mesmo tempo, por detrás da maldade de quem espeta estes espinhos, podemos ver o que viram tantos santos e viu Teresa: a aurora de uma ressurreição. José vendido viria a ser, mais tarde, a salvação da família e o mal transformou-se em oportunidade de um povo novo. Quanto pedimos para a Sua Igreja: esta aurora que nasce depois da penitência purificadora, da vergonha do castigo, mesmo injusto, como o do Mestre. Na cruz dirá: “Pai, porquê? porque me abandonaste?” É aí que deveremos cravar todos os nossos gritos e aprender a sermos instrumentos, como Ele, para a salvação do mundo.
Olhando para este rosto, parece ouvi-Lo dizer: “se não me amas tu, quem me amará?”. Precisamos envergar a veste de mangas largas dada a José que nos fará aparecer aos olhos do mundo com a veste nova que o Senhor pediu a Madre Teresa: “quero uma capa de tela. Não velha como a que me puseram, por escárnio, mas que tu me hás-de pôr por amor.
José é apenas um dos filhos, o filho mais novo. Afinal, também Jesus é apenas um homem. Deus feito homem, sim, mas um homem igual a todos. O olhar sobre as pessoas é que transforma o amor em ódio e provoca a morte. Mas Deus, no silêncio das vidas, faz surgir um bem maior, mesmo através daqueles que passaram pelas mãos assassinas do mal.
Fixemos mais uma vez esta imagem de um Deus que sofre com a humanidade ferida, um Deus que “se esvazia, se anula”, como gosta de dizer o Papa Francisco. Oxalá seja motivo para nos projetar “em saída” para todos os vários desafios da sociedade onde se pode descobrir o seu rosto e levar o seu amor vivido quanto seja possível com o seu mesmo amor, como remédio e resposta. Ele leva-nos a assumir cada dor, separação, ferida, divisão.
Este, como alguém dizia, é o “Deus de hoje” o “Deus do nosso tempo”: o Deus não dos pontos exclamativos e menos ainda o Deus impositivo, mas o Deus que acolhe, escuta, serve e carrega cada peso. É por isso um Deus que não se entrincheira por detrás das próprias seguranças, mas se faz dom, que arrisca para dar espaço ao outro, lança pontes em todas as direções para promover a fraternidade.
Quais as nossas medalhas? São as feridas aceites e suportadas com amor, são a aceitação amorosa de todos os porquês sem resposta humana, são os insucessos do nosso esforço por servir, são as marcas do pecado. Oxalá o Santo Cristo que aceitou pacientemente os seus espinhos em forma de coroa, nos faça outros “Ele”, capazes de um “nos” de fraternidade.
Que Maria, a mãe dos jovens e mãe da Igreja, seja mestra para todos os seus filhos e interceda pelo milagre da reparação de todos os males dos abusos, provocados a gente inocente.
+ Armando, Bispo de Angra