Igreja Matriz de São Sebastião. Ponta Delgada | 9 de julho de 2023 [PDF]

A 1ª Leitura fala de uma grande festa judaica: o Pentecostes. Por essa altura, vinha a Jerusalém gente de todos os lugares vizinhos e muitos estrangeiros. Também por lá estavam os apóstolos, todos reunidos no mesmo lugar. Como hoje aqui! Gosto de pensar naqueles apóstolos, mais trancados na sala do que reunidos. Gosto de pensar neste punhado de homens com medo do futuro porque vazios de esperança. Têm medo pelo que lhes pode acontecer, estão desnorteados porque tinham abandonado Jesus no caminho para o Calvário. Naquele grupo está Pedro que tinha negado conhecer Jesus; está a sombra de Judas o traidor que o vendeu aos adversários por trinta moedas e que Jesus terá levado atravessado no coração como um pai ou uma mãe quando um filho a quem amam muito lhes fez uma grande traição.

 

Que sala aquela!!! Quem estaria à vontade naquele grupo? Estaria a Mãe de Jesus e João que tinham ido com Jesus até ao calvário, que venceram os medos e o acompanharam sempre até ao fim. Estes dois eram aquela réstia de esperança que os mantinha reunidos, à espera de uma nova aurora.

 

Gosto de me pensar entre aqueles homens de então, de ontem e de hoje. Gosto de vos ver lá a todos os desta praça e os que estão espalhados pelo mundo e nos seguem pelos diversos meios de comunicação. Gosto de nos imaginar ali, com os nossos fantasmas, medos e inseguranças, todos necessitados como eles e desejosos de uma força renovadora que nos leve a desejar viver segundo as obras do espírito e não as da carne, as da inclinação para o mal como dizia Paulo na 2ª leitura. Quanto eu dela preciso e, espero não ofender ninguém, quanto precisamos todos desta lufada de Espírito santo na nossa história humana, como pessoas, famílias, Instituições e grupos.

 

É neste quadro que imagino o que foi a descida do Espírito santo narrada na primeira leitura de hoje: uma força “descontrolada”, qual labareda de fogo que consumiu tudo o que havia para cair e deixou de pé apenas a Verdade do Amor de Deus que não se tinha quebrado com a infidelidade deles.

 

Não há portas fechadas ou paredes grossas, medos ou traições que impeçam que o Espírito Santo irrompa potente naquela ou noutra qualquer sala ou prisão. Ali, virou tudo do avesso, dentro do coração e na vida de cada um deles. Viraram homens novos, capazes de falar desassombradamente, ter palavras firmes, convictas e convincentes, percebidas por todos os conterrâneos e estrangeiros. Foi como se, de repente, o Espírito Santo descido sobre as suas cabeças, reavivasse cada célula do seu corpo e lhes desse uma nova alma, uma nova razão para viver com Cristo e de Cristo. Não mais se calaram nem pararam impelidos pelo Espírito Santo que lançou luz potente sobre tudo o que tinham visto e ouvido de Jesus Cristo. Tudo passou a ter sentido!

 

Como é bonito e reconforta a alma olhar para este pedaço de Igreja aqui reunido, esta grande multidão vinda de todo o Concelho de Ponta Delgada e rica expressão da fé destas “Terras do Espírito Santo” que são as Ilhas dos Açores. Um grande Império feito de todos os Impérios deste conselho, onde Deus se faz presente. Em cada oração da Eucaristia, terminamos dizendo: “Vós que sois Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo”! O Espírito santo é fruto do Amor do Pai pelo Filho e do Filho pelo pai. Uma unidade. Por isso a Eucaristia é chamada o cume da vida cristã.

 

Sublinho três ideias:

 

“Começaram a falar outras línguas”. Acredito que, mais que estrangeiros a ouvir falar na sua própria língua, seriam os pobres, os leprosos, os doentes, os injustiçados da época a ouvir a palavra que ninguém lhes dava e agora chega “fresquinha”, é a linguagem que precisam: o doente passou a ter a atenção e o carinho que o cura, o só passou a ter uma presença fraterna que o conforta e anima, o sem amor a sentir-se amado. Jesus tinha dito como ouvimos hoje: “vinde a mim todos vós que andais cansados e oprimidos, eu vos aliviarei”. Perceberam que era a vez de eles fazerem de Jesus. Também é o nosso tempo agora, caros amigos e irmãos! Deixo uma provocação: Se, ao sairmos deste lugar, reconfortados pela presença do Espírito Santo, encontrarmos um sem abrigo, um jovem a arruinar a vida com drogas, alguém sem saúde, pão, casa ou justiça, uma vítima de violência doméstica, uma criança maltratada, etc. teremos nós tempo e disponibilidade para a compaixão, teremos palavras e gestos que eles sintam ser a sua mesma língua, ou passaremos indiferentes trancados no salão do nosso bem-estar? A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e encorajados a viver segundo a bela vida do Evangelho.

Impelidos pelo Espírito Santo, os cristãos saíram à rua, não propriamente em cortejos de glória, mas para dizerem de todas as formas “Jesus é Salvador”. Para eles e para a Igreja de todos os tempos só há esta verdade a dizer: se nos amarmos, Deus mora no meio de nós. Se continuássemos a ler o Livro dos Atos leríamos um grande discurso de Pedro. Alguém meio ignorante, até há pouco envergonhado de dizer que acreditava em Jesus… Isto diz-nos que cada batizado tem que sair à rua, falar! Qualquer que seja o grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo da evangelização e seria inadequado pensar num esquema de evangelização levado a cabo apenas por atores qualificados em que o resto do povo fiel fosse apenas recetivo às suas ações. A nova evangelização de que estamos a necessitar, deve implicar um novo protagonismo de cada um dos batizados. Diz o Papa “há apelo direto a cada cristão, para que ninguém renuncie ao seu compromisso evangelizador, pois, se alguém experimentou realmente o amor de Deus que o salva, não precisa de muito tempo de preparação para ir O ir anunciar, não pode esperar que lhe sejam dadas muitas lições ou longas instruções. […] O seu coração sabe que a vida não é a mesma sem Ele. Deve dizê-lo a todos!

O compromisso dos leigos não se reflete na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e econômico. Muitas vezes limita-se a tarefas intra-eclesiais sem um compromisso real com a aplicação do Evangelho na transformação da sociedade. A formação dos leigos e a evangelização das categorias profissionais e intelectuais representam um importante desafio também para a nossa Igreja açoriana.

 

Unidade e partilha: Onde está o Espírito Santo está o essencial da vida cristã: vive-se como irmãos, partilha-se. As minhas primeiras sopas foram numa mesa com 800 pessoas, sem presidência, porque é o Espírito Santo de Deus que preside e nos coloca a todos no lugar que o cristão ocupa: lado a lado com cada irmão, com cada homem ou mulher da terra. Ontem, aqui, foram vários milhares. Quanto trabalho, dedicação, gratuidade cristã está por detrás do que se vê e consome. Este ano estas festas ficaram marcadas com a geminação com a Câmara de Alenquer onde se encontra a semente das Festas em honra do Divino Espírito santo. O gesto de Santa Isabel em coroar pobres, fazendo-os reis ao lado do rei, foi chama que ateou fogo e outros nobres quiseram fazer o mesmo e pediram autorização ao rei: coroar pobres começou a ser uma forma de combater a pobreza, de cobrir de amor quem andava coberto de chagas. Uma preciosidade que continua. As pobrezas hoje não serão só de carne, pão ou massa cevada, não se matam com simples alimentos. Esses gestos devem ser acompanhados ou até trocados por companhia, tempo para a conversa, atenção, escuta, um conselho desinteressado, uma ajuda em tarefas. O Espírito Santo é dádiva de Deus e o amor do cristão deve ser doação. As festas do Espírito Santo não se vivem pela internet e, por mais imagens televisivas que passem, só quem faz experiência concreta pode sentir-se plenamente feliz. Tem que haver envolvimento, casa comum, mesa comum, iguaria partilhada igualmente por todos. Como acontece na Missa e na comunhão Eucarística. Todos irmanados, todos em comunhão fraterna. As divisões, ressentimentos da vida, cansaços, são cobertos pela beleza do brilho dos olhos de todos. O amor cristão, cheio do Espírito Santo pode fazer o milagre da unidade.

Amar é sinónimo de doar, de sacrificar-se, de renunciar. Doar não somente coisas, mas doar o próprio tempo, os talentos, todos os dons que posso dizer “meus”; amar é sacrificar-se porque quando faço morrer o meu “eu” para amar o outro, estou-me a imolar em sacrifício; amar é renunciar ao egoísmo para pensar no bem do outro. Todo o gesto de bondade que posso praticar é uma doação e, portanto, amor. Todo o pensamento bom que me leva a agir em favor de alguém, é amor. Quando deixo fluir a minha sensibilidade junto com a minha criatividade, o meu amar é doar.

Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo…

 

 

+ Armando, Bispo de Angra