Matriz. Ponta Delgada.
«Eu te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e da terra, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos». Esta expressão que brota da oração que Jesus de Nazaré dirige ao Pai desafia-nos sobre as condições para um verdadeiro conhecimento. Pondo em causa a forma pela qual os grandes e os sábios conduzem a sua inteligência, interpela-nos a novas e mais profundas coordenadas que orientem a racionalidade humana.
Paulo questionava a sabedoria dos gregos quando afirmava: «já que o mundo, por meio da sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que creem, pela loucura da pregação (1Cor, 1, 21).
E acrescenta: «enquanto os judeus pedem sinais e os gregos andam em busca da sabedoria, nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios (1Cor. 1, 22- 23). E, por fim sublinha que «para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus» (1Cor. 1, 24).
É muito oportuna e actual a advertência de Jesus de Nazaré. Não só porque convida a orientar a inteligência humana e a integrá-la nas diversas faculdades pessoais que só na sua unidade poderá conduzir o homem ao verdadeiro conhecimento, mas sobretudo apela à humildade, á simplicidade de cada criatura humana para se reconhecer necessitada do mistério de Deus para chegar ao verdadeiro conhecimento de si, do mundo que forçosamente terá de partir da revelação de Deus.
O Papa Bento XVI apresenta-nos um caminho excelente para que a pessoa possa chegar ao autentico conhecimento. Diz ele: «a razão tem sempre necessidade de ser purificada pela fé; e isto vale também para a razão política, que não se deve crer omnipotente». E, prossegue realçando que «a religião, por sua vez, precisa sempre de ser purificada pela razão, para mostrar o seu autêntico rosto humano». Acrescenta, então, sublinhando que «a ruptura deste diálogo implica um custo muito gravoso para o desenvolvimento da humanidade» (CV, 56).
Voltado, porém, para a cultura actual, desafia-a dizendo que «no laicismo e no fundamentalismo, perde-se a possibilidade de um diálogo fecundo e de uma profícua colaboração entre a razão e a fé religiosa» (Ib., 56).
Na verdade, para nós que nos reunimos à volta de uma frutuosa tradição que realça a Pessoa do Espirito Santo na vida da Igreja, na Vida do Mundo e na Vida da pessoa humana integrada numa comunidade, este desafio é de uma actualidade premente.
A cultura que nos envolve e que não nos deixa imunes dos seus contágios é verdadeiramente caracterizada pelo laicismo e, como é próprio da arrogância de uma razão desprovida de horizontes e de sentido último, torna-se fundamentalista. Neste contexto, fica-nos a interrogação: o que pretendemos com esta celebração? Pura e simplesmente representar uma tradição do passado? Manifestar uma componente social e cultural sem indagar sobre as suas raízes e os seus conteúdos mais profundos?
Com efeito, é urgente reconhecermos que estamos a celebrar a Terceira Pessoa da Santissima Trindade, o Espirito Santo, enviado pelo Pai por intercessão do Filho. No Evangelho de S. João podemos ler: «Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender por agora. Quando Ele vier, o Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a Verdade completa. Ele não falará por si próprio, mas há-de dar-vos a conhecer quanto ouvir e anunciar-vos o que há-de vir. Ele há-de manifestar a minha glória, porque receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer. Tudo o que o Pai tem é meu; por isso é que Eu disse: ‘Receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer’» (Jo. 16, 12-15).
Que verdade completa será esta, senão aquela que nos é revelada por Jesus de Nazaré que afirmou: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vai ao Pai senão por Mim» (Jo. 14, 6). Jesus respondia á interpelação de Tomé que Lhe solicitava que mostrasse o caminho para chegar a Deus.
Por isso, diz-nos S. Paulo, tal como escutámos na segunda leitura: «Se o Espirito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais». Realmente é este mistério que se opera na vida de cada um de nós, discípulos de Jesus Cristo pelo Baptismo.
Somos participantes da Vida de Deus que nos é oferecida pelo Espirito Santo que habita em nós e nos conduz ao conhecimento de Jesus de Nazaré, a escutar a Sua voz e a seguir o Seu chamamento. Deste modo o Espirito Santo desperta em nós o desejo de participar numa comunidade de irmãos que à volta da Eucaristia partilha do seus dons e carismas e nos impele para a missão de sermos fermento do Evangelho no meio do mundo.
Como afirma S. Paulo não há verdadeira comunhão de vida no Espirito Santo sem a participação consciente e activa numa comunidade cristã e esta nasce e revitaliza-se permanentemente no mistério Eucaristico.
Permita-me sublinhar esta expressão de S. Paulo «se o Espirito de Cristo habita em vós» porque na verdade esta é a experiência de que temos necessidade, isto é, deixar que o Espirito Santo tome morada no nosso ser e deixarmo-nos conduzir pela novidade que Deus Pai, Filho e Ele próprio realizam em cada um de nós e em cada comunidade cristã. Então sim, estamos numa vivência profunda do amor que é entrega, despojamento que nos orienta para Deus e para os irmãos.
Pela acção do Espirito Santo e no encontro com Jesus Cristo que Ele provoca brota em nós uma alegria tal que nos mobilizará para a missão de viver e testemunhar a Boa Noticia que é Cristo Vivo e Ressuscitado no meio do mundo de hoje. Daí o que nos diz o Profeta Zacarias convidando-nos à alegria porque Deus virá para transformar a nossa sociedade e a nossa cultura.
Mas para reconhecer a Sua vinda teremos de nos colocar numa actitude de humildade porque Ele vem na simplicidade e revela-se nas pequenas coisas, na pobreza e na modéstia.
Esta é a hora de nos voltarmos para o essencial e descobrir o que Deus nos quer dizer através da acção do Espirito Santo. Deixemo-nos conduzir pela Sua acção.
Termino implorando de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, Ela que foi a primeira a saborear a acção do Espirito Santo que dispôs o Seu ser para a incarnação do Verbo de Deus, que abençoe os que neste concelho de Ponta Delgada estão revestidos do serviço público, os nossos jovens, crianças e famílias, doentes, encarcerados, todos os que são vitimas de exclusão social, económica, cultural e religiosa, os que estão na diáspora e nos conduza pelos caminhos que levam à evangelização do mundo de hoje.
Amen
+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores
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