Sé Catedral.

«Vamos, pois, cheios de confiança, ao trono da graça, a fim de alcançarmos a graça de um auxilio oportuno». O autor convida-nos à confiança e desperta-nos para o encontro com Jesus de Nazaré porque Ele é o Sumo Sacerdote que conhece, por experiência própria, o que é o sofrimento e as provações do ser humano.

Igualmente o autor sagrado convida a contemplarmos a Jesus Cristo o Filho de Deus que apesar de ser Filho aprendeu no sofrimento o que é obedecer na comunhão, na fidelidade e na verdade ao Pai por amor das Suas criaturas.

Estamos perante o absurdo do mistério. Aquele por quem tudo foi criado, Ele é anterior a todas as coisas e todas elas subsistem nele, mas é igualmente Ele o princípio, o primogénito de entre os mortos, e, deste modo ser o primeiro em tudo. Mas na contemplação deste mistério reconhecemos que «foi nele que aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e, por Ele e para Ele, reconciliar todas as coisas, pacificando pelo sangue da sua cruz, tanto as que estão na terra como as que estão no céu» (Col. 1, 15-20)

Igualmente Ele é a cabeça da Igreja que é o Seu corpo. Deste modo, a Paixão de Cristo prolonga-se na vida do Seu Corpo que é a Igreja.

Então, como discipulos e membros da Comunidade Cristã, em comunhão de vida com Cristo, pelo baptismo fomos sepultados com Cristo na morte para com Ele ressuscitarmos para a vida nova.

Celebramos este mistério da morte de Jesus de Nazaré num contexto de sofrimento e de perplexidade, num mundo dilacerado por uma epidemia devastadora. Que nós, baptizados e homens de boa vontade, nos aproximemos mais de Cristo que carrega com as nossas dores e nos ensina o caminho da entrega no amor.

A morte de Jesus Cristo, que antecede e faz parte do itinerário para a ressurreição é parte integrante da experiência de vida de todo o cristão. Somos comunidade que participa na morte de Cristo na esperança dEle recebermos a vida Nova da ressurreição. Este dinamismo está presente na compreensão do ser humano, mas sobretudo é experiência vivida e partilhada em comunidade.

Por isso, desafia-nos as palavras do profeta Isaias que profetiza o Servo de Javé descrito com tais traços de sofrimento, de dor, homem castigado pelos nossos males, que O manifesta como Alguém que incarna e transporta em si mesmo as angustias e o desespero da humanidade ao longo da história. Deste modo, solidário com todas as atrocidades humanas, tornou-se salvação para todos os que nEle poem a sua confiança.

Quão actual é esta realidade espelhada em tantos profissionais que não rejeitam entregar a vida para salvar o seu semelhante.

«Por causa das suas chagas é que fomos curados». Na verdade em Cristo, para o qual se encaminha a promessa, descobrimos a transformação da humanidade não á maneira dos poderes do mundo mas com a Sabedoria que vem de Deus.

Esta Sabedoria interpela-nos também a nós para, situados no mundo, acolhendo em nós o sofrimento dos nossos irmãos, saibamos partilhar com eles os gestos libertadores, na ternura, na misericórdia e no amor.

No silêncio que este dia nos impõe e que a situação social actual nos exige, saibamos contemplar a Jesus de Nazaré na entrega total de Si mesmo, solidarizando-se connosco até ao limite da Sua morte, e escutemos o clamor do nosso mundo onde o gemido de tantos mortos pela epidemia, pela fome, pela guerra, pelo desespero, pela violência, pelo ódio e pela exclusão, clamam por redenção e salvação, o mesmo que é dizer exigem dignidade, justiça, verdade e amor.

A morte de Cristo é um grito pela vida, mas uma vida que seja autêntica. Perante a morte de Jesus de Nazaré somos confrontados por uma cultura que continua a gerar a morte de tantos seres indefesos e débeis, uma sociedade que no seu egoísmo e no jogo dos interesses ideológicos e de poder, mata todos os que não têm aparência do modelo que se forjou para se ser cidadão.

É com esta cultura e com esta sociedade que Jesus de Nazaré continua hoje a desfigurar-se e a identificar-se com todos os que parecem não ter figura humana tal a sua humilhação. Pertence à Comunidade Cristã, Corpo de Cristo, aproximar-se das chagas dos nossos contemporâneos e oferecer-lhes o óleo da consolação e da alegria.

Acabámos de escutar a longa narração da Paixão de Jesus de Nazaré. Hoje o dia é do silêncio e da escuta, da contemplação e da interiorização.

Daqui terá de surgir um homem novo, configurado a Cristo, participante na comunidade e na missão da Igreja no mundo, com novos critérios, novos valores, com uma compreensão do ser humano que só a Sabedoria de Deus pode oferecer e com a força da missão transformadora do mundo que a fé alicerçada na experiência de comunhão em Cristo dinamiza.

Os analistas dizem que depois desta epidemia o mundo, a sociedade e a economia já não serão os mesmos. Eu acrescentarei que também as comunidades cristãs já não voltarão a ser as mesmas; serão mais evangélicas se lhe oferecermos o Evangelho de Jesus Cristo.

«Quem viu é que atesta, e o seu testemunho é verdadeiro. Ele sabe que diz a verdade para vós acreditardes também».

Também nós, entrando a sério e em profundidade no caminho da entrega de Jesus de Nazaré acreditamos na verdade e proclamamos a todo o ser humano que Jesus Cristo é o Salvador.

Imploramos de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, Mãe das Dores junto à cruz de Seu Filho acolha os sofrimentos da hora presente, que nos abençoe e nos encaminhe pelas sendas da evangelização do mundo de hoje.

Amen

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores