Sé Catedral. Angra do Heroísmo | 26 de novembro de 2023*

A Solenidade de Cristo Rei foi durante décadas o dia dedicado ao compromisso laical, nomeadamente dos Movimentos ligados à Ação Católica. Em muitas dioceses, sobretudo no Continente, este gesto feito publicamente, era sinal de uma Igreja de ação, capaz de levar esperança a todos os ambientes onde os homens e mulheres vivem, trabalham e sofrem.

Assim, quero começar por saudar todos os homens e mulheres do território dos Açores que, investidos em cargos de responsabilidade e autoridade, dão o seu melhor para a construção deste Reino de justiça e paz.  Saúdo igualmente, e de forma agradecida, todos os leigos que vivem a sua participação laical também nos órgãos eclesiais: nos diversos conselhos paroquiais de pastoral e da administração dos bens, nos movimentos, secretariados ou serviços diocesanos, os consagrados e leigos que, aqui ou nas eucaristias pelas 9 ilhas do arquipélago, “acertam o passo” para avançarmos juntos na sementeira da esperança. Todos, todos, todos! Contamos todos, caminhemos com todos, sejamos esperança para todos! Isto mesmo propomos no Itinerário Pastoral para 2024/25.

Por vontade do Papa Francisco, neste dia de Cristo Rei, celebra-se o Dia Mundial da Juventude, um dia para viver, olhos nos olhos, com os nossos jovens para que os corações batam em uníssono. Fazemo-lo lembrando esse evento único que foram as Jornadas Mundiais em Lisboa e que queremos continuem a ser referência para a Igreja e a própria humanidade. Não se pode deixar de surfar a onda do amor, como dizia o Papa. E, neste contexto, deu o mote aos jovens para este Dia: “alegres na esperança”! O Papa lembra que os jovens não são o futuro da Igreja, “são o presente”. E diz ainda que “se não estiverem hoje, também não estarão no futuro”!!!

Todos ouvimos que é preciso rejuvenescer a Igreja e a sociedade, abrir espaços e dinâmicas de participação para que todos os jovens se sintam protagonistas da renovação da Igreja e do mundo. Venham, caros jovens, caminhemos todos, todos, todos, caminhemos na esperança. Quanto a nós adultos, façamos tudo para que que eles vejam, mesmo que não possam ou queiram, que os seus lugares estão livres, sintam que são importantes e necessários com as suas ideias, a sua forma espontânea de criar amizades, de ser criativos, de desenvolver sonhos e desbravar caminhos novos. Peçamos-lhes ajuda para sonhar esta Igreja sinodal de que temos necessidade.

A eles e a todos os açorianos quero pedir que procurem escutar e dialogar para interiorizar o sentido das linhas programáticas do nosso Itinerário Pastoral para a diocese centrado na esperança. Há no ar um sentimento de um novo início, já desde o começo da pandemia. Não um reinício que significa tentar começar do mesmo ponto de antes, mas fazer o “reset”, isto é , voltar aos  inícios, a Jesus Cristo! Assim, como o Ciclo litúrgico que hoje termina vê nascer um novo, peço ao nosso Bom Jesus, Rei do Universo, que nos assista com o Seu Espírito Santo para este novo início.

Nas Leituras escutadas vemos o Senhor a fazer o trabalho dos pastores. Pela boca do profeta Ezequiel, Ele diz que cuida o futuro de todos, porque vai em busca cada um (cada ovelha) onde se perderam; reconduz a tresmalhada; trata a ferida; vela pelas que estão bem e exerce a justiça entre todos… Algo que coloca nas nossas mãos…

No Evangelho, aparece a julgar se fizemos o mesmo. Diz claramente que ao céu chega só o amor. O resto, estruturas, comissões, conselhos, movimentos servem apenas como laboratórios onde as vidas de homens e mulheres, jovens e crianças se juntam para construir a unidade, onde se combinam os diversos dons ou talentos para encontrar os caminhos novos do Reino.

No Itinerário pastoral para 2024/25 também se fala de laboratórios, lugares onde se experimentam futuras transformações, onde se trabalha com vista à inovação. Em cada um desses “laboratórios” queremos que nasçam homens novos para habitarem o futuro, o lugar dos desafios novos, também na evangelização. Quanto caminho a andar, quanta esperança nos anima! O Evangelho de hoje é disso exemplo.

“Eu tinha fome, eu tinha sede, estava nu, estava triste, estava só, estava preso, era sem abrigo, era dependente… e tu estavas lá ao meu lado. Ou não estavas… reconheceste-me ou não! Era eu e tu não deste conta! É terrível ouvir: afasta-te!!!

Sempre que um cristão desvia o olhar dum pobre, também se distancia do Evangelho. A pobreza é um escândalo. Quando o Senhor voltar, pedir-nos-á contas. Não pode existir comunidade cristã sem diaconia, isto é, serviço de caridade, que por sua vez não pode existir sem celebração da Eucaristia. As três realidades estão ligadas entre elas: comunidade, Eucaristia, diaconia dos pobres».

Ao que O reconheceu no pobre, Ele diz com amor: “Vem, entra, estás em casa, como sempre estiveste… quando me reconheceste e amaste no irmão!

“Todos, todos, todos: caminhar na esperança” é um lema que não deixa dúvidas. Não caminhamos sós – “Eu estarei convosco até ao fim dos tempos” –, mas precisamos levar esta esperança mesmo a todos, estar disponíveis a caminhar com todos sem exceção e a fazer equipa com qualquer homem ou mulher de boa vontade, mesmo afastados da Igreja ou não crentes. Precisamos escutá-los!

Não queremos uma evangelização “dirigida aos outros”, mas feita “com cada um”, escutando-os com amizade, aceitando-os, envolvendo-os e caminhando juntos ao sabor do Espírito.

O Itinerário não é nenhum Plano cheio de diretrizes, de estruturas e iniciativas novas. Vai na linha do que está a viver a Igreja inteira neste tempo de Sínodo e no exercício de uma sinodalidade que seja constitutiva do nosso ser Igreja.

Em outubro, a Igreja sentou-se à volta de mesas, não para descansar, mas para entrar no Raio X da oração no Espírito, para escutar e se interrogar sobre como está a Evangelizar, para permitir que o Espírito santo aponte novas formas e estilos para dizer Jesus Cristo e a Sua mensagem imutável.

Entremos todos nestes laboratórios que são todas as nossas formas de estar juntos, a começar pelas famílias, que são ou devem ser os primeiros e melhores laboratórios de sinodalidade, onde se dialoga e escuta com amor, onde a felicidade de um está no bem do outro. Isto deve acontecer nos nossos laboratórios de pastoral organizada, nos diversos conselhos ou grupos de ação, sempre na busca de uma fraternidade a crescer e que traga esperança. Podemos ajudar uma sociedade civil que está a ficar azeda e desconfiada, onde o diálogo parece cada vez mais difícil e onde nascem posições extremistas e tendências políticas igualmente radicalizadas. Não deixemos grassar a intolerância, a impaciência e a luta de palavras, quando não, guerras pela busca despudorada de poder e glória.

Somos convidados a começar por nós. Lembro o sonho missionário do Papa e o que dizia sobre o Sínodo da sinodalidade – CPM – “não para produzir documentos, mas suscitar sonhos”.

Quem não sonha um mundo mais fraterno e unido, dioceses e paróquias onde se viva e sinta o amor recíproco, serviços e movimentos em saída missionária que toque a todos? Quem não reconhece que isso se aprende na escuta atenta do que o outro é e diz, do que anseia e do que está disposto a dar?

Este dia deve ajudar-nos a perder aquela sensação de doença que atingiu muitos cristãos e que os fecha, pensando não ser relevante.

Ouvi esta semana alguém relatar que há técnicos de serviços públicos que, quando se fala em convocar a Igreja para parceira de alguma estratégia social, não a consideram um parceiro fiável e prescindem dela. Justo ou não, pergunto: “será que as nossas frias e falsas conceções de Deus e da Igreja, os princípios e doutrinas cegas ou a verdade sem caridade nos colocaram fora do espaço público? Será que a nossa vasta rede de comunidades, Instituições sociais, grupos juvenis, movimentos, presentes em todos os ambientes, já não são capazes de acolher, ser inclusivos e integrar, de ajudar a promover respeitando? As obras comprovam que se faz já muito e que as instituições são imprescindíveis, mas é, sem dúvida, um lamento e um alerta que nos dói.

Esta nossa rede única de presença no terreno, em todos os lugares e freguesias, precisa de ser mais visível para que os mais pobres se possam encontrar não só com o pão de cada dia, mas com Jesus, o verdadeiro Pão, Aquele que sabe integrar e salvar a Todos, Todos, todos… Deve ser uma rede sinodal, também ela: quem sofre deve dizer-nos se se sente amado ou esquecido; quem está marginalizado se se sente integrado e acolhido; quem está sem abrigo se se sente tocado com a compaixão de Jesus através das pessoas que se aproximam com amor e sem pressa de afastar o olhar.

A sociedade precisa de uma Igreja rica de humanidade, as 24 horas do dia e não como funcionário com horário de atendimento. E têm razão, porque foi isso que Jesus ensinou. “A quem pedir que caminhes com ele uma légua, vai duas”, dizia Jesus. Podemos perguntar: “Porquê, Senhor, eu devo fazer mais do que a minha obrigação?” A resposta está lá: “Para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuva sobre justos e injustos”. “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste”.

A nossa Esperança é Cristo. Então, “Todos, todos, todos: vamos caminhar na Esperança”!

 

 

+ Armando, Bispo de Angra

 

*Esta homilia foi lida pelo Vigário Episcopal para o Clero e para a Formação, Pe. José Júlio Rocha