Sé Catedral. Angra.

«Eu dei-vos o exemplo para que assim como Eu fiz, vós façais também». Com estas palavras com que o Senhor Jesus Cristo termina o Seu gesto de lavar os pés aos seus Apóstolos somos desafiados a ter os mesmos comportamentos que nos vêm da nossa relação com Ele.

         Somos convidados a penetrar nos gestos e nas palavras que ressoam nesta celebração de modo que também possamos afirmar com S. Paulo «Eu próprio recebi do Senhor o que por minha vez vos transmiti…». Na verdade o dinamismo da experiência cristã está precisamente nesta expressão que nos ajuda a reconhecer que tudo o que recebemos do Senhor e o modo como o recebemos é para ser transmitido.

A riqueza desta celebração orienta-nos em primeiro lugar para o centro do Mistério da entrega de Jesus de Nazaré que resume em Si mesmo toda a caminhada do Povo Biblico e de toda a humanidade oferecendo-lhes o sentido pleno.

No contexto da Páscoa Judaica na qual se comemora a libertação do Povo de Deus da opressão do Egipto, Jesus com os Seus Apóstolos inicia um caminho novo de libertação, agora, alicerçado na Sua Páscoa que se realiza pela Sua morte e Ressurreição. De tal modo que todo Aquele que inserido na Sua Páscoa pelo Baptismo faz a experiência permanente da Vida Nova em Cristo pela celebração comunitária deste gesto.

Assim, S. Paulo é levado a afirmar que «sempre que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciareis a Morte do Senhor até que Ele venha».

Caros cristãos, nós que nos reunimos para celebrar a Ceia Pascal de Jesus Cristo temos por obrigação viver permanentemente desta Vida Nova que nos é oferecida na Eucaristia e sermos dela mensageiros. Urge despertar as comunidades cristãs para este manancial de Vida que é colocado ao dispor dos baptizados para que façam esta experiência comunitária de modo que na nossa caminhada histórica nos sintamos já a participar da Vida do Ressuscitado.

Mas, na linguagem de S. João, esta é a hora da revelação de Jesus Cristo. Por isso diz ele que «sabendo Jesus que chagara a Sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amara os Seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim».

E, para nos ajudar como podemos descobrir esta presença de Jesus pascal e reconhecermos a profundidade do Seu amor, descreve os efeitos de quem participa com Ele na Ceia Pascal.

Este gesto do lava-pés é, deste modo, a descoberta da presença de Jesus que se dá inteiramente em serviço pela humanidade, a manifestação do amor sem limites com que Ele ama todas as criaturas e convida a acolher os efeitos da participação na Eucaristia que, neste sinal, se destina ao serviço aos irmãos sobretudo os mais excluídos.

É muito significativa a reacção de Pedro que na sua generosidade e incompreensão se sente indigno de ser lavado pelo Mestre. Falta-lhe a humildade para reconhecer por onde passa a manifestação do amor e através dele a revelação do verdadeiro Deus presente no Seu Filho.

Na verdade, sem nos deixarmos lavar pela Graça de Jesus Cristo não entenderemos a profundidade do Mistério de Deus revelado no Seu Filho. Se permanecermos nas nossas ideias e nas nossas tradições, não alcançaremos o horizonte para o qual Jesus Cristo nos convida ao tornarmo-nos seus discípulos.

A verdadeira experiência cristã que se fundamenta na vida em Cristo não pode partir de nós mas da iniciativa amorosa de Deus que se revela e nos introduz no caminho da salvação.

Deus que acompanha o Seu Povo na sua caminhada no meio das vicissitudes da história, alimenta-nos com o Corpo de Cristo e dobra-se perante o homem para lhe oferecer o Seu amor, como Pai que serve os Seus filhos para os educar com o Seu exemplo.

Esta é a maravilha do amor de Deus revelado em Jesus Cristo. Mas este é também o compromisso de todo o baptizado que tem por missão participar na Eucaristia na qual se encontrará com Cristo Vivo, dado em alimento, e descobre uma comunidade de irmãos que se dispõe a servir à semelhança do Seu Mestre.

Como afirma o Papa Francisco «o seu amor é assim: pessoal. O amor de Jesus nunca decepciona, porque Ele nunca se cansa de amar, como não se cansa de perdoar, não se cansa de nos abraçar» (homilia da celebração da Ceia do Senhor 2015).

Realmente, Jesus Cristo dobra-se à frente de cada um dos Seus Apóstolos para revelar este amor pessoal, lava cada um a partir de tudo o que é, serve a cada um segundo o ser de cada um.

Este é o maior abraço do Seu amor com o qual Ele quer abranger toda a humanidade. Mas isto só se concretizará com a nossa missão de discípulos.

Reconheçamos com o Papa Bento XVI que «assim permanecemos-lhe devedores da prova de credibilidade da verdade cristã, que se demonstra no amor». E, mais ainda, «precisamente por isto desejamos muito mais rezar ao Senhor para que nos torne, através da sua purificação, maduros para o mandamento novo» (homilia da Ceia do Senhor 2008).

A marca do serviço e na entrega total do discípulo se manifesta a identidade de todo aquele que generosamente aceita o chamamento de Jesus Cristo a Segui-Lo.

Tal como já se recomenda no Livro do Êxodo ao referir-se à Páscoa Judaica, «festejá-lo-eis por todas as vossas gerações, como lei perpétua».

Eis o compromisso que devemos assumir perante a oferta da plenitude do Amor divino no propósito de celebrarmos em comunidade a Eucaristia dominical, como a páscoa semanal que nos alimenta na missão de servir a pessoa e a sociedade.

Imploramos de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que acompanhou o Seu Filho na Sua Páscoa e ficou na Igreja para nos ajudar a viver na comunidade cristã a Vida de Cristo, que nos abençoe para vivermos na entrega e no amor, a exemplo de Seu Filho que se oferece em Alimento pelos Seus discípulos.

Amen.

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores