Igreja Matriz da Horta.

«Venho trazer-vos uma boa nova, que será grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é o Messias Senhor».

Este anuncio que ecoou pela primeira vez há mais de dois mil anos e que despertou os humildes pastores para o maior de todos os acontecimentos da história da humanidade, continua ao longo dos tempos a confrontar as expectativas da humanidade sedenta de vida, de esperança, de alegria e de plena realização pessoal e comunitária.

É o mesmo eco que vem até nós com a mesma força, com a mesma mensagem e com a mesma interpelação, porque pretende responder às perguntas mais intimas do ser humano da actualidade.

Na verdade, «o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente» (GS, 22).

A pessoa humana, mergulhada numa cultura que ofusca a dimensão transcendente das criaturas, que paralisa a sua capacidade para procurar Aquele que irrompe no tempo para ser oferta divina como autêntico sentido para a vida dos homens e mulheres, que diverte com prazeres momentâneos e com seduções alienantes aqueles que deveriam matar a sede de existência nas fontes da alegria, tem absoluta necessidade de criar as condições para que este eco vindo do céu seja acolhido e desperte a caminhada para um verdadeiro encontro com Aquele que acaba de nascer.

Realmente, a actualidade desta manifestação do amor absoluto de Deus toma toda a sua força e vitalidade na expressão do Anjo que diz «nasceu-vos hoje».

O mistério da Encarnação de Jesus Cristo partindo de um facto histórico e por isso com contornos circunstanciais ditados pelo espaço, pelo tempo, pela cultura e pela religião, torna-se em facto salvífico e, deste modo, ultrapassa todas as suas circunstâncias para libertar e salvar a pessoa humana em todos os contextos sócio-culturais, religiosos ou históricos em que viva.

Por isso, celebramos o nascimento de Jesus de Nazaré no hoje permanente da história, com a força salvífica que este acontecimento oferece a nós hoje, peregrinos neste mundo que é o nosso e convidando-nos ao grande e maravilhoso encontro com Aquele que hoje nos traz a salvação.

De igual modo, S. Paulo na sua carta a Tito, refere que se manifestou a graça de Deus, que traz a salvação para todos os homens.

De facto, esta expressão que encontramos no evangelho sublinhando que o nascimento de Jesus de Nazaré é alegria para todo o povo e S. Paulo a realçar a mesma realidade afirmando que é a salvação para todos os homens inquieta-nos e desafia-nos sobre o olhar e o compromisso perante o mundo em que vivemos.

Forçosamente teremos de responder a uma pergunta que devemos colocar-nos: será que a alegria do nascimento de Jesus é sentida por todos os homens? Senão, e na realidade sabemos que não, teremos de nos questionar do porquê?

Percorrer os caminhos que levam ao encontro de Jesus Cristo que se apresenta no Seu nascimento ao alcance de todos é tornarmo-nos verdadeiros arautos da mensagem, pela palavra e pelos gestos da salvação que Deus oferece a todos os homens e mulheres de hoje.

Teremos de proclamar a Palavra que anuncia o Amor, a Ternura e a Misericórdia de Deus reveladas em Jesus de Nazaré, o filho de Deus; teremos de nos deslocar ao encontro de todos os pobres, despojados pela sociedade do consumo, dos excluídos da nossa cultura e da nossa religião, dos que permanecem na ignorância e no erro, dos esmagados pela violência e pela fome, para lhes testemunhar com gestos concretos que a salvação tocou a sua existência e por isso há motivos para a alegria.

Focados na primeira leitura, expressão da Promessa de Deus dirigida a todos os povos, teremos de identificar o que verdadeiramente mantem as pessoas nas trevas, na escuridão; qual o jugo que pesa sobre os povos na atualidade, os ruídos da guerra e da violência; para lhes oferecer a o caminho que leva à alegria, à festa e à paz.

Porque uma luz começa a brilhar no horizonte da humanidade de hoje só pelo facto de descobrirmos que «um Menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido», porque n’Ele está o poder capaz de tudo transformar.

Mas que tipo de poder é este que não se impõe mas se propõe, que não obriga mas liberta, que não submete mas orienta para o amor?

A mesma voz que nos convida a caminhar ao encontro d’Ele, diz-nos como encontra-lo: «achareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura».

Eis a simplicidade de Deus. O ser sem qualquer contágio do ter; a manifestação do amor sem qualquer obscuridade de poder ou de domínio; a luz verdadeira sem nada que a ofusque.

Mas a quem é chamado a encontrar-se com Ele, o caminho de conversão é exigente. A vida pessoal e comunitária tem de estar em sintonia com Ele para O encontrar.

A isto mesmo nos exorta S. Paulo quando refere na sua Carta a Tito a necessidade de renunciar à impiedade e aos desejos mundanos e a viver com ponderação, justiça e piedade no mundo presente.

Verdadeiramente, urge hoje o verdadeiro encontro com Jesus Cristo para que o mundo alcance o sentido pleno em ordem ao futuro que só em Deus se pode alicerçar. Porque em Cristo, «a natureza humana foi assumida, e não destruída, por isso mesmo também em nós foi ela elevada a sublime dignidade» (GS, 22). Aliás, pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem» (GS, 22). De facto, «trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano» (GS, 22). O Filho de Deus, «nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado» (GS. 22).

Mas urge igualmente este encontro da comunidade cristã e de cada cristão com a realidade de Jesus que nasce na pobreza e na humildade para se descobrir o dinamismo que leva à evangelização do mundo de hoje. Todo aquele que se encontra com Cristo torna-se missionário da Boa Nova.

Envolvidos na caminhada sinodal com o lema «a beleza de caminharmos juntos com Cristo», o nascimento de Jesus de Nazaré e o convite para o encontro com Ele na simplicidade do presépio é da máxima importância para contemplarmos a beleza do Evangelho e dela sentirmos a força para o Seu anúncio.

Imploramos de Nossa Senhora, Mãe de Jesus de Nazaré, que junto ao presépio contempla o Seu Filho que abençoe as famílias, as crianças, os idosos e os doentes, os jovens e os excluídos, os pobres e os emigrados, os presos e os que sofrem de violência ou de injustiça e nos encaminhe pelas sendas da evangelização do mundo de hoje.

Ámen.

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores