Sé Catedral. Angra do Heroísmo | 15 de janeiro de 2023 [PDF]
“Se me erguer nas asas da aurora / e for viver para além do mar,
também ali a Tua mão descerá sobre mim / e a Tua direita me segurará.” (Salmo 139)
1. Com esta mesma confiança e fé do salmista, caros amigos açorianos – permiti que vos trate assim – me dirijo a vós numa primeira palavra como Bispo da diocese de Angra. A Deus agradeço mais esta prova do Seu Amor e Lhe peço que não deixe esmorecer a esperança que, neste momento de festa, temos uns nos outros, eu em vós e vós em mim! É um momento de graça, sem dúvida, porque todos estamos a fazer a própria parte, a alimentar o mesmo sonho. Ninguém é salvador sozinho, nem o bispo, só Cristo.
Venho até vós muito livre como sempre fui, de mim mesmo, de bens, de lugares, títulos ou cargos. Venho também com a mesma alegria e disponibilidade do primeiro “sim”, dado já na juventude. Perceber a vontade de Deus sobre nós é uma graça e torna tudo simples! Não venho repetir o já feito porque Deus é sempre novo.
Envio daqui um abraço fraterno a todo o Povo açoriano deste maravilhoso arquipélago, tão aprimoradamente desenhado pelo Criador, bem como a todos os açorianos da diáspora, esses autênticos missionários da fé, da cultura e dos seus costumes. Lembro os pobres e vulneráveis e, a todos os jovens, em ano de Jornada Mundial da Juventude, deixo desde já um abraço, amigo e próximo, com votos de um grande ano para a juventude açoriana. Oxalá se faça ouvir o vosso grito jovem, um grito de esperança!
Saúdo e agradeço a todos os aqui presentes. A Sua Excelência Reverendíssima o Sr. D. Ivo Scapolo, nosso Núncio Apostólico, a quem peço que faça chegar ao Santo Padre a garantia da minha oração, unidade e fidelidade; ao Sr. D. José Ornelas, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, ao Sr. D. Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca de Lisboa e metropolita da Província Eclesiástica a que pertencemos, ao Sr. D. Manuel Linda, bispo do Porto e seus auxiliares, também aqui presentes e de quem me despeço hoje com gratidão e amizade, ao caríssimo D. João Lavrador, meu antecessor, aqui presente e também ele, antes, auxiliar do Porto, ao Sr. D. Antonino bispo de Portalegre/Castelo Branco, ao Sr. D. António Luciano bispo em Viseu e todos os outros meus caríssimos irmãos bispos. A vossa presença é para mim de grande ânimo. Obrigado. Saúdo e agradeço ao Sr. Cónego Hélder Mendes, até agora Administrador Diocesano, bem como a TODOS, mesmo todos, os que, com ele e em sede vacante, continuaram fielmente a servir a Igreja diocesana. Saúdo os clérigos, consagrados, e todos os leigos que são sinal de esperança no meio do mundo.
Agradeço aos muitos amigos vindos de Viseu, em especial da paróquia do Viso e ao seu pároco, os vindos de tantos lugares da diocese do Porto. Um abraço especial aos meus familiares, sempre presentes. Dos 39 bispos que ajudaram a fazer a história da Igreja nesta Região, agora Autónoma, destaco D. José Pedro da Silva que me ordenou padre em 1982. Era natural da Ilha de S. Jorge e foi meu bispo em Viseu. Por fim, lembro D. João Maria Pimentel, 28º Bispo de Angra meu conterrâneo de Oleiros (é um risco para os Açores. um bispo ser natural de Oleiros!!! Os únicos 2, aqui foram bispos) Aproveito para saudar o P. Luis, ali pároco e outros conterrâneos aqui presentes….
2. Não menos importante, pelo contrário, sinto-me muito honrado e saúdo o Sr. Dr. Luis Garcia, Presidente da Assembleia Legislativa dos Açores, o Sr, Dr. José Manuel Bolieiro, Presidente do Governo Regional dos Açores e todos os membros do seu Governo; o Sr. Embaixador Pedro Catarino, representante da República para os Açores, o sr Presidente da Câmara de Angra do Heroísmo, outros presidentes de Câmara e todos os membros do poder local, autoridades civis, militares, de segurança e académicas, os de todas as áreas de serviço público. Saúdo a comunicação social, o mundo empresarial, da cultura, do associativismo, do desporto e das artes… quanto precisamos de artistas que pintem a beleza de Deus e das suas criaturas!!! Iremos conhecer-nos, se Deus quiser! Podeis contar comigo sempre “da melhor vontade”, como dizem os nossos escuteiros mais novos, os Lobitos.
Na história dos Açores que tenho estado a revisitar, lida também na vida de figuras ilustres aqui nascidas ou nos livros de autores açorianos, tento escrutinar a alma deste povo açoriano, a sua forma de ser e estar, da sua açorianidade, para usar um termo tão caro a Vitorino Nemésio. Ensinar-me-eis, estou certo. Mas, encanta-me e dá-me esperança a marca tão apreciada de gente genuinamente boa e simpática e, ao mesmo tempo, sempre tão corajosa e resiliente que nem as forças incontroláveis vindas do interior da terra ou do mais secreto do mar alguma vez venceram. Descubro uma inigualável relação com a terra, o mar e o Céu.
Aqui sente-se que a fé é constitutiva da vida, dos costumes e da história e que, sem ela, os Açores não seriam o que são. Como diz Raul Brandão no seu livro, ‘As Ilhas Desconhecidas’: “o povo sente como eu o terror sagrado do mar e só há uma coisa a fazer, é a gente entregar-se…”. De facto nestas terras nascidas do ventre perigoso do mar, mas igualmente rico, sente-se que Deus é de casa, é da família, está nos perigos como na festa. É um Deus que dança com todos e até dá pão a todos, pela mão de irmãos, mesmo que estes fiquem de arcas vazias! Quanto a aprender e a replicar…
3. O Evangelho de hoje fala de João Batista e do início da vida pública de Jesus. Muitos pintores representaram esta cena com João Batista com o indicador levantado a apontar para Jesus. Só Ele era digno de ser seguido, dele vinha a salvação. Os discípulos de João passaram a sê-lo de Jesus e a missão de João é hoje a nossa: aprontar e apontar caminhos por onde Jesus passe, se cruze connosco e com todos os sedentos de Deus. Em dia festivo como hoje vivemos, sinto a tentação de provocar: como “estendemos nós a passadeira” a Jesus? Ficaremos por aqui a estendê-la uns aos outros, ou amanhã, Jesus estará, através de nós, a pisar os caminhos espinhosos da vida dos irmãos e a transmitir-lhes palavras e gestos que os façam felizes? O Evangelho está cheio de episódios de cegos que começaram a ver, coxos a caminhar, etc… A mais poderosa mensagem da história perdeu força? Absolutamente não! Jesus continua o mesmo Cordeiro de Deus que tira o pecado e o mal do mundo. Jesus, com a palavra e os gestos atacou o mal em todas as dimensões, mas para fazer diagnósticos, mas para as curar! Hoje, quando convida alguém coloca-lhe no coração este amor natural pelo pobre. Para nós cristãos não é opção ou prioridade é a sua razão de ser e estar no mundo. Se Deus pode derrubar os poderosos de seus tronos como cantou Maria, que nos ensine a derrubar os “pobres” suspensos na cruz, a caminhar juntos e a deixarmo-nos evangelizar por eles! É nestas feridas que nos podemos encontrar de facto todos, como uma única família humana. A Igreja é, desde sempre, laboratório do Reino, escola de fraternidade e humanidade. A mensagem cristã não pode ser uma técnica para fazer pessoas boazinhas, foi e é uma investida de Deus na história dos homens para os despertar das suas trevas e entusiasmar pela Luz que brilha e liberta. Precisamos, para bem deste nosso belo planeta, não só apontar Cristo, mas deixá-lo à solta no meio dos homens. E nós, com Ele.
4. Prioridades? Tenho algumas: as vossas. Podia falar da pobreza, cultura, formação, vocações, comunhão, participação de todos, etc… Mas, também eu, como a Igreja, não posso nem quero ser centro ou caminhar só. O centro é só Cristo. Assim, sublinho 3 que já estão na agenda da diocese:
a) Acolhimento e valorização das pessoas. Jesus amou cada pessoa. Precisamos uns dos outros: o bispo dos sacerdotes e vice-versa, os clérigos dos leigos e vice-versa, os crentes dos menos crentes e vice-versa! Acolher, escutar respeitosamente, descobrir a riqueza que há em quem pensa de forma diferente, animar a todos, trabalhem ou não connosco, são etapas deste conhecimento recíproco que nos ajudará a admirar os projetos uns dos outros. Gostaria de poder exercer um ministério aberto: a minha porta, a comunicação e coração estarão sempre abertos para todos: clérigos ou leigos, mais ricos ou pobres, mais idosos ou jovens, seja na casa episcopal ou em qualquer casa em outras ilhas. Que não se diga que o bispo está muito ocupado.
Vou procurar marcar dias e horas de porta aberta, mesmo sem marcar.
Cuidemos uns dos outros, cuidai dos membros dos grupos de que fazeis parte, mas sempre e todos a olhar para o mundo à vossa volta. Nunca fechados! Oxalá cada um ou cada uma possa descobrir a sua própria riqueza, aquele dom específico que Deus dá a cada um, por amor. O bem maior que podemos fazer aos outros não é o de lhes comunicar a nossa riqueza, mas despertar as suas. Que todos se sintam felizes no que
fazem e o façam o melhor possível. Alguém dizia que “as capacidades murcham com as críticas e florescem com os incentivos”. Envolvei-vos como famílias e caminhai com famílias. Não há célula mais sinodal que a família e, delas, podemos aprender melhor o que seja “caminhar juntos e unidos”!
Atrevo-me a dizer: nada sem a família. Nada sem as “igrejas domésticas”! Os membros da família perceberão porventura melhor o clamor dos que pedem melhor acolhimento, que não sejam julgados ou até rejeitados.
Eles saberão como integrar os de opções diferentes, as novas famílias, os divorciados, etc., Dizia Bento XVI: “Não somos um produto casual e sem sentido. Cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um de nós é querido, cada um de nós é amado, cada um é necessário”. A evangelização não pode ser feita apenas por uns poucos sábios, mas por todos os batizados e homens de boa vontade.
b) A segunda prioridade é o Sínodo 2023/24 que aqui já fez caminho. A sinodalidade não é uma técnica nova, mas uma experiência de reciprocidade, onde a diversidade é riqueza, a partilha de sonhos uma necessidade e a unidade um milagre. É por isso que o Espírito Santo é o grande protagonista da sinodalidade e só Ele nos pode levar a perceber o que Deus tem a dizer de novo à Igreja. Dar-lhe-emos continuidade, não
tanto pelos resultados, mas pela experiência que faremos, caminhando juntos. “O Sínodo de 2023 e 2024 não é para produzir documentos, mas para suscitar sonhos…”, diz o Papa Francisco. Numa Igreja sinodal o estilo é já evangelização e a comunhão, como dizia já a Novo Millennio Ineunte, o “princípio educativo” das comunidades cristãs. Nesta escola, a vida da Igreja será mais participada por todos, menos clerical e mais capaz de compreender e dialogar com as novas culturas.
c) A terceira prioridade serão os jovens e a Jornada Mundial da Juventude. Ela será uma oportunidade paraum exercício prático do diálogo entre a Igreja e a sociedade civil. A Jornada Mundial da Juventude é de todos, é de um país que vai acolher a maior manifestação mundial de juventude depois do início da COVID 19.
Teremos jovens de todo o mundo em casa. Nenhum jovem açoriano deverá ficar de fora a ver passar os aviões ou os navios e não falo apenas dos ligados às paróquias ou Movimentos. Todos têm lugar e voz! A tudo o que tenha a ver com Jovens ou Jornada Mundial da Juventude, darei prioridade na minha agenda deste ano. Gostaria poder entrar também na vossa agenda e caminhar convosco, caríssimos jovens. Solicito aos padres, religiosos, animadores, dirigentes do CNE e outros Movimentos juvenis que tudo façam para se prepararem com os jovens e caminharem juntos até Lisboa. Que regresseis depois e nos ajudeis a construir um futuro convosco. Que esta seja uma prioridade evangelizadora, pois não há renovação na Igreja nem na sociedade, sem o protagonismo dos jovens. Nunca digamos que eles não sabem ou não querem… caminhemos confiadamente com eles!
5. Finalmente, convido todos a fazer seu o sonho do Papa Francisco para a Igreja. Começaremos em breve a preparar a celebração dos 500 anos da nossa Diocese. Que Igreja queremos daqui a 10 anos? O Papa sonha uma Igreja Povo de Deus e a renovar-se. Uma Igreja em saída, que não se desgaste a falar para dentro, a preocupar-se apenas e sempre com os mesmos, mas fale para fora, até às periferias, aos afastados e descrentes, uma Igreja pobre e que diga apenas o Evangelho. Sonhemos juntos para esta nossa diocese a Igreja da Esperança, capaz de galvanizar a todos. A Igreja nas suas expressões, não existe para si própria. Se a Igreja é a nossa casa, o irmão é a nossa vocação e missão.
6. Escolhi como meu Lema episcopal: “Eis a tua mãe”! O Cordeiro de Deus, na cruz, torna-se o único Bom Pastor e modelo para todos os pastores, porque dá e ensina a dar a vida pelos seus, até ao fim. Ao lado da cruz, Jesus vê João com Maria e diz-lhe: “Eis a tua Mãe”. João, apóstolo e bispo, representa, com Maria, todo o povo novo nascido da Páscoa de Jesus: hierarquia e carisma! Numa Igreja Povo de Deus, sinodalidade e ministério episcopal pertencem igualmente à natureza da Igreja. Caríssimos padres, é com este modelo de Pastor e com a capacidade geradora desta Mãe – que é Maria e é a Igreja – que gostaria de construir convosco um presbitério unido, criativo e capaz de gerar vida e atrair vidas renovadas. Um presbitério de homens de esperança e não acomodados e menos ainda desanimados. A vida precisa ser plena para nos fazer felizes. Os irmãos, ao serviço de quem Deus nos coloca, precisam que sejamos os primeiros a viver por amor e a servir por amor cada mulher e homem. Que sejamos os primeiros a testemunhar, por experiência feita, que o nosso Deus é um Deus de Amor e não deixa ninguém de fora. É fácil ensinar, mais difícil viver o que se ensina. Assim, peço à Mãe do Céu que, com a sua proteção materna, a nossa igreja diocesana seja uma mãe para todos.
Tenho consciência que Ser bispo é missão bem maior que as minhas capacidades. Por isso, confio-me e confio a Diocese a Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, à proteção dos padroeiros São Salvador do Mundo, Beato João Batista Machado e à vossa oração.
Termino: Quando, do outro lado do mar, ainda no Porto, falava dos Açores, comecei a dizer como piada: É já ali do outro lado da rua, desta rua de água. Agora, que já aqui estou, no outro lado da rua, confesso-me mais completo! Este “outro lado da rua” sois vós e sou já eu! Sei que não chego a uma só ilha, mas a 9. Tudo farei para perceber e amar a especificidade de cada uma. Sair de um lugar ou de nós próprios é sempre ficar mais rico!
+ Armando, Bispo de Angra