Sé. Angra.

A Palavra de Deus e o mistério que celebramos hoje partem da linguagem do sinal.  A Deus ainda não O vemos face a face como acontece connosco, mas não nos faltam sinais para que Ele chegue a nós, nós a Ele e a gente se encontre. Se não vejamos:

«Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura».

«Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: Eis que Ele está aqui para a queda e o ressurgir de muitos em Israel e para ser sinal de contradição a fim de se revelarem os pensamentos de muitos corações».  (Lc 2, 34-35) .

Um dia alguns fariseus e doutores da lei fizeram um pedido a Jesus dizendo «Mestre, queremos ver da tua parte um sinal. Mas Ele, respondendo disse-lhes: Geração má e adúltera que procura um sinal; mas nenhum sinal lhes será dado, a não ser o sinal do profeta Jonas. Pois assim como Jonas esteve no ventre do monstro marinho três dias e três noites, assim também estará o Filho do Homem no coração da terra três dias e três noites».

É natural que a gente tenha dúvidas sobre a identidade de Jesus como verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, pois até João Batista também as teve e por isso mandou perguntar: «És tu aquele que há – de vir ou devemos esperar outro?» ao que Jesus respondeu: «Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a boa nova é anunciada aos pobres».

O Papa Francisco ofereceu-nos há três anos uma carta apostólica a que chamou O SINAL ADMIRÁVEL referindo-se ao Presépio, que «equivale a anunciar, com simplicidade e alegria, o mistério da encarnação do Filho de Deus. De facto, o Presépio é como um Evangelho vivo que transvaza das páginas da Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo que contemplamos a representação do Natal, somos convidados a colocar-nos espiritualmente a caminho, atraídos pela humildade d’Aquele que se fez homem a fim de Se encontrar com todo o homem, e a descobrirmos que nos ama tanto, que se uniu a nós para podermos, também nós, unir-nos a Ele».

Quer isto dizer que o sinal é sempre o mesmo, ontem, hoje, e por toda a eternidade, no presépio, no altar da Eucaristia e no sepulcro vazio: Jesus encarnado, sacramentado e ressuscitado, aquele que disse a Filipe: «Quem Me vê, vê o Pai».

 

O sinal é o rebaixamento total de Deus. O sinal deu-se quando nessa noite Deus amou a nossa pequenez e se fez ternura; ternura para toda a fragilidade, para todo o sofrimento, angústia, procura e limite. O sinal é o amor de Deus. A mensagem que esperavam todos os que pediam sinais a Jesus, os desorientados e até os seus inimigos era esta: procurem o amor de Deus, Deus feito amor, Deus que acalma a nossa miséria, e que ama a nossa pequenez.

 

Não faltou quem pedisse sinais diferentes. Por exemplo, os discípulos ao serem mal recebidos em Samaria sugerem a Jesus que envie raios do céu sobre os seus habitantes para os destruir, o que Ele só não faz como corrige imediatamente os discípulos; na paixão, quando Pedro retira a espada para defender Jesus, Ele manda guardá-la imediatamente; e na Cruz, de entre as provocações, há quem lhe diga: «se é Deus desce da cruz para que a gente acredita em Ti». O que não aconteceu.  O convite de Jesus é outro e a sua lógica também: «Vinde a Mim todos vós que andais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei. Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração».

 

Chamo atenção para o capítulo do Credo que hoje rezamos ou cantamos de joelhos, dando sentido, profundidade e largueza ao mistério do Natal que festejamos: «E por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos céus.  E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria e Se fez homem», sublinhando na letra e na música o verbo «encarnar» que nos leva ao presépio, mas também ao altar da Eucaristia quando sobre o pão e o vinho, na última Ceia, Jesus disse: «Isto é o meu corpo. Isto é o meu sangue. Fazei isto em memória de mim». Finalmente, uma vez ressuscitado parecia a alguém que era um fantasma e então Jesus esclarece: «Sou Eu, não temais».

 

De facto, como diz a segunda leitura: «Manifestou-se a graça de Deus». A «graça de Deus» é uma expressão para falar do amor de Deus sem condições. Estas palavras têm, nesta noite, um sabor especial: é em Jesus nascido, que o amor de Deus pela humanidade se manifesta de forma extraordinária. Acolher esta graça tem naturalmente implicações que nos altera a vida, para melhor.

 

«Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens, ensinando-nos a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos para vivermos, no tempo presente, com temperança, justiça e piedade».

 

Celebrar o Natal do Senhor Jesus com toda a doçura que contem, tem implicações nas nossas vidas. Seria uma pena que também de nós se dissesse «veio ao que era seu e os seus não receberam» ou que para José e Maria não havia lugar para os acolher nem para o Menino nascer. Isto pode acontecer também hoje connosco. Às vezes estamos tão cheios de nós mesmos, inchados de vento, de preocupações intranscendentes, de frivolidades e indiferenças que não damos conta de nada, nem dos sinais a que nos referimos.

 

Celebrar o Natal deveria significar fazer lugar para o amor de Deus no nosso programa de vida. Mesmo que este seja um período de férias, de mobilidade, de ofertas e de encontros familiares, nada disso é mal. Nós os cristãos temos um «plus» de motivos de alegria e de celebração que devem ser vividos em as situações, evitando os perigos de uma banalização consumista, como se este fosse um intervalo para uma alienação coletiva. O pobre é também sinal de Jesus no presépio, pois «o que fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, foi a Mim que o fizestes», diz-nos Jesus (Mt. 25).

 

O evangelho dá-nos uma grande alegria: «Hoje nasceu para nós o Salvador». «Por isso, quero gritar, de porta em porta, a mentira das noites sem estrelas», e fazer notar uma luminosa constelação de três estrelas ou tríptico onde cada uma tem o seu nome:  a graça, a ternura e a fraternidade.

A graça é o rosto de Deus que sorri à Humanidade, os seus braços que se abrem e alargam, as suas mãos que agarram quem está prestes a afundar-se na lama do mal, do pecado, da dor.

A segunda estrela é a ternura, irmã da misericórdia, da compaixão, da piedade, da empatia, da bondade, da delicadeza. A «revolução da ternura» tem o coração como epicentro, em sentido contrário à revolução auspiciada pelas armas, baseada no ódio, no rancor e na vingança.

A terceira estrela chama-se fraternidade, levando-nos a alongar, dando origem à possibilidade de abraçar e de unir, de forma a alcançarmos uma Humanidade que embora múltipla é filha do único Adão-Homem, que nasceu das mãos do único Pai – Criador e tem salvação no único Cristo – Senhor.

Sobre todos invoco a bênção de Deus que anunciou aos pastores a grande alegria do nascimento do Salvador; que Ele derrame em vossos corações a sua alegria e vos conceda o dom da sua paz e do seu amor. Boas festas!

 

Hélder, Administrador Diocesano de Angra