Igreja de São José. Ponta Delgada.

Acabámos de escutar as palavras que S. Paulo dirigiu à comunidade cristã de Roma dizendo «não devais a ninguém coisa alguma, a não ser o amor de uns para com os outros, pois, quem ama o próximo, cumpre a lei». Esta mesma interpelação sentimo-la nós hoje na edificação de comunidades cristãs que alicerçadas no amor de Deus, Pai, Filho e Espirito Santo, se propõem viver segundo o critério evangélico do amor.

É a partir do mandato de Jesus Cristo de fazermos o mesmo que Ele próprio fez, traduzindo o amor em serviço total a todo o ser humano sobretudo aos mais excluídos e marginalizados que saborearemos agradecidos o dom que o Senhor faz à Sua Igreja de Angra de seis novos presbíteros e três novos acólitos.

Sim, hoje, sentimos vivamente como no amor, Jesus Cristo chama, partilha a Sua Vida, cumula de ternura e de bondade a vida dos seus discípulos e os envia a testemunharem no meio do mundo o Evangelho da Esperança e da alegria em contextos humanos de desespero, de perplexidade, de angustia, de pobreza, de exclusão e de marginalidade.

Em vós jovens que hoje vos entregais totalmente a Cristo no sacerdócio e vós que para Ele caminhais através do exercício dos serviços laicais, sentimos a experiência do amor de Jesus Cristo, o convite a identificarmo-nos com Ele, a olharmos à nossa volta e descobrirmos os lugares onde exercitar esse amor, servindo a pessoa e a sociedade, mas sobretudo a reconhecermos que o amor exige uma entrega total que só o será na imersão da Fonte do Amor que é Deus.

Mas segundo as palavras do Evangelho somos convidados a edificar uma comunidade cristã onde se exercite a correcção fraterna, o perdão e a reconciliação. Na verdade, o grau maior do amor está no perdão e na reconciliação.

De facto, se não é compreensível uma comunidade cristã que partilhando o amor entre os seus membros, não optasse por traduzir em gestos concretos a reconciliação e o perdão, reconhecemos em vós jovens que ireis ser transfigurados na Pessoa de Jesus Cristo pela ordenação presbiteral como os primeiros que ireis servir a comunidade cristã e a comunidade humana formando-as nos caminhos do amor, da misericórdia, da ternura, da reconciliação e do perdão.

Mas, permitam-me que vos advirta, caros jovens ordinandos, nada na vossa vida pastoral terá eficácia e credibilidade se primeiramente não for experimentado e vivenciado por vós pessoal e comunitariamente. Isto quer dizer que deveis integrar-vos no presbitério diocesano e fazer nele o primeiro lugar de experiência de comunhão, de unidade, de reconciliação e de partilha fraterna.

Moldados pela comunhão intima com Jesus Cristo na oração, na vivência sacramental, da eucaristia e da reconciliação, na meditação assídua da Palavra de Deus, procurando dignificar o presbitério pela participação, pelo diálogo e pelo estimulo mútuo, e no serviço pastoral acolhendo as esperanças e os sofrimentos do Povo de Deus, não só sentireis a alegria da vossa entrega total a Cristo mas oferecereis aos homens e mulheres do nosso tempo o melhor contributo para que também eles se entusiasmem em buscar a Fonte da nossa alegria.

É muito oportuna a expressão da primeira leitura que na linguagem do Profeta Ezequiel nos alerta dizendo «Filho do homem, coloquei-te como sentinela na casa de Israel».

Todos sabemos o que significa ser sentinela. Antes de mais, estar vigilante para alertar para os perigos. Mas para que tal serviço seja eficaz é necessário saber discernir os Sinais dos Tempos.

Eis um dos mais importantes desafios lançados ao ministério sacerdotal nos tempos em que vivemos. Perante a renovação conciliar do Vaticano II, que somos chamados a viver, importa estar atentos aos Sinais dos Tempos e neles discernir o que Deus nos revela para podermos evangelizar o mundo actual.

Na verdade, «para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas» (GS, 4). Deste modo, é «necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático» (GS, 4).

O Papa Francisco, em contexto da pandemia que ainda vivemos, falou ao clero de Roma, em Maio passado, e exortava-o dizendo que «como comunidade sacerdotal somos chamados a anunciar e profetizar o futuro, como a sentinela ao anunciar a aurora que traz um novo dia (cf. Is 21, 11): ou será algo novo, ou será mais, muito mais e pior do que o habitual».

De facto, «a Ressurreição não é apenas um acontecimento histórico do passado a ser recordado e celebrado; é mais, muito mais: é o anúncio da salvação de um novo tempo que ressoa e que já hoje começa: “a qual já começa: não a vedes?” (Is 43, 19); é o ad-vir que o Senhor nos chama a construir».

E prossegue, sublinhando que «a fé permite-nos uma imaginação realista e criativa, capaz de abandonar a lógica da repetição, da substituição ou da conservação; convida-nos a instaurar um tempo sempre novo: o tempo do Senhor».

Perante os desafios que esta realidade da pandemia nos coloca, insiste o Papa Francisco dizendo «não temamos que seja a presença do Ressuscitado a traçar o nosso caminho, a abrir horizontes e a dar-nos a coragem de viver este momento histórico e único». Aliás, «um punhado de homens temerosos conseguiu iniciar uma nova corrente, uma proclamação viva do Deus connosco. Não temais!»

Urge reconhecer de que estamos numa nova fase da história da humanidade.

Caros jovens ordinandos, tomai consciência do que isto significa para a vossa vivência sacerdotal e para a vossa acção pastoral.

Daí, o convite a uma nova evangelização que requer um novo ardor, novos métodos e novas linguagens. Já ninguém tem dúvidas da urgência desta nova evangelização que se traduz em anunciar e testemunhar o Evangelho como se fosse pela primeira vez. É algo de aliciante, de provocador, a exigir uma boa formação pessoal, humana, espiritual, intelectual e pastoral, mas sobretudo um novo estilo de ser comunidade cristã.

A nossa diocese e as nossas comunidades cristãs estão hoje necessitadas de uma nova evangelização a requererem uma participação activa de todos os baptizados no ser e na missão da Igreja.

Porém, torna-se prioritariamente um desafio ao ser e á acção pastoral dos sacerdotes que para encetarem uma nova evangelização exige-se deles que sejam «radical e integralmente imersos no mistério de Cristo, e capazes de realizar um novo estilo de vida pastoral, marcado por uma profunda comunhão com o Papa, os Bispos e entre si próprios, e por uma fecunda colaboração com os leigos, no respeito e na promoção dos diversos papéis, carismas e ministérios no interior da comunidade eclesial» (PdV, 18).

Vós ireis ser edificadores de comunidades cristãs com plena participação de todos os baptizados. É este o objectivo da nossa caminhada sinodal na certeza de que hoje não se poderá ser cristão ou sacerdote doutra maneira e a evangelização do mundo actual não pode realizar-se senão com comunidades verdadeiramente vivas, testemunhais e participativas.

Somos um povo missionário e o presbítero, homem imerso em Cristo, sente o apelo a ir ao encontro de todos os homens em qualquer situação em que se encontre. Não há lugar ao comodismo, à inercia, ao isolamento ou ao fixismo, muito pelo contrário, «precisamente porque no âmbito da vida da Igreja é o homem da comunhão, o presbítero deve ser, no relacionamento com todas as pessoas, o homem da missão e do diálogo» (PdV, 18).

Aliás, «profundamente radicado na verdade e na caridade de Cristo e animado do desejo e do imperativo de anunciar a todos a sua salvação, ele é chamado a encetar um relacionamento de fraternidade, de serviço, de procura comum da verdade, de promoção da justiça e da paz, com todos os homens» (PdV, 18).

Em síntese, caminhai na santidade. Este apelo é sublinhado pelo Papa S. João Paulo II na Carta Apostólica «Novo Millenio Ineunte» que nos desafia dizendo «não hesito em dizer que o horizonte para que deve tender todo o caminho pastoral é a santidade» (nº 30).

Assim, «é hora de propor de novo a todos, com convicção, esta “medida alta” da vida cristã ordinária: toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nesta direcção» (NMI, 30).

Como refere o Papa S. João Paulo II, «mas é claro também que os percursos da santidade são pessoais e exigem uma verdadeira e própria pedagogia da santidade, capaz de se adaptar ao ritmo dos indivíduos; deverá integrar as riquezas da proposta lançada a todos com as formas tradicionais de ajuda pessoal e de grupo e as formas mais recentes oferecidas pelas associações e movimentos reconhecidos pela Igreja» (NMI, 30).

Termino implorando de Nossa Senhora Mãe e Rainha dos Açores, Mãe dos Sacerdotes, que vos abençoe e vos acarinhe no seu regaço de Mãe e vos acompanhe ao longo da vossa vida sacerdotal ensinando-vos a cumprirdes tudo o que Cristo vos disser.

Amen.

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores