Sé de Angra.
O dia 1 de janeiro aponta em várias direções: é o começo do ano civil, completa-se a oitava de Natal, é o dia em que Jesus foi circuncidado e lhe puseram esse nome, é o dia mundial da paz, e sobretudo é o dia da solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus.
Segundo a tradição, na versão corrente da presença portuguesa nas ilhas, a Terceira foi encontrada no dia em que se celebrava o santo nome de Jesus e, curiosamente nesse dia, em 1980, o grupo central das ilhas açorianas era destruído por um impiedoso sismo que nos deixou como sobreviventes para podermos contar, e edificar de novo a cidade. Contudo, nunca mais esquecemos a terra que se move e foge debaixo dos pés, numa experiência singular de contingência, fragilidade, indigência e solidariedade.
A palavra de Deus deste dia ajuda-nos a aprofundar a contemplação do mistério da Encarnação, para nos dizer que o Filho de Deus veio verdadeiramente na nossa carne humana, no tempo, através do corpo de uma mulher: Maria, a totalmente santa, consagrada ao amor de Deus e dos Homens.
Não precisamos de ler os horóscopos para saber alguma coisa acerca do novo ano que agora começa. Sabemos que, sejam quais forem os acontecimentos que se apresentem nos próximos doze meses, não seremos os únicos a enfrentá-los, por habitarmos o mesmo planeta e percorrermos uma história comum. Prosseguiremos o caminho sustentados pela fé, pelo sentido da presença de Deus no tempo, que não é um desenrolar absurdo e trágico de fatos como se o destino final fosse a destruição e a morte, mas uma sucessão de acontecimentos de salvação. Tudo «concorre para o nosso bem», até mesmo o sofrimento, a doença e as várias provações, pois já não estamos sob o domínio da escravidão, mas na era da liberdade. Pelo Espírito Santo que nos é dado, somos de facto filhos que podem invocar o Pai, e se somos filhos, somos também livres e herdeiros dos bens paternos e maternos, pois «àqueles que O receberam e acreditarem no seu nome deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus».
Em cada principio do ano, há a preocupação de ver os dias em que não se trabalha. A boa noticia é que teremos cinquenta e dois domingos em 2022, para celebrar o dia do Senhor Ressuscitado, na alegria, no descanso, na família, com os doentes, os mais velhos e outras ocupações ditas por não úteis, embora de não mera distração. Estes domingos nascem todos do domingo maior que é o dia de Páscoa, este ano celebrada a 17 de abril. Do dia de Páscoa derivam todos os dias santos, também eles feriados nacionais e regionais, a saber o dia da Ascensão do Senhor, a 29 de maio, quando terminam as festas do Senhor Santo Cristo, o dia de Pentecostes a 5 de junho, e por essa razão o Dia da Região Autónoma dos Açores a 6 de junho, a Santíssima Trindade a 12 de junho, e o início do Advento do Senhor a 27 de novembro, em ordem ao seu Natal. Também nas festas da Mãe de Deus, de todos os santos e na comemoração dos fiéis defuntos a Igreja celebra sempre a Páscoa do Senhor.
Outro fator que normalmente noticiado neste dia é o do aumento de preços: do pão, do gasóleo, da energia, etc. São notícias a que nos habituamos e recebemos de mau grado, sobretudo para quem vive de baixas pensões, do rendimento de inserção social ou do ordenado mínimo regional, em que o aumento dará para cobrir a inflação que se anuncia. Mas há um aumento de preço que nos parece justo e que não cabe nas más notícias. Refiro-me ao preço do litro de leite pago à produção, aos trabalhadores da agricultura e da lavoura açoriana. Bendito e justo aumento que tardiamente chega para que seja feita justiça a quem trabalha e a quem produz o «ouro» das nossas pastagens. Se um dos magos partisse das ilhas longínquas, como reza o salmo 71, certamente uma das ofertas preciosas que levaria ao Menino do presépio seria leite dos nossos pastos. Quando não é oferta o produto deve ser pago a justo preço a quem trabalha, pese embora o fantasma da concorrência europeia que consegue vender, em território contínuo, leite mais barato do que água, numa rede onde felizmente estamos, como tal mar onde de tudo vem parar.
Como podemos construir hoje uma paz duradoura? No tema Mensagem para este Dia Mundial da Paz, o Papa identifica três contextos de extrema atualidade sobre os quais devemos refletir e agir: educação, trabalho e diálogo entre as gerações como instrumentos para a construção de uma paz duradoura. O Santo Padre propõe-nos três caminhos: primeiro, o diálogo entre as gerações, como base para a realização de projetos compartilhados; depois, a educação, como fator de liberdade, responsabilidade e desenvolvimento; e, por fim, o trabalho, para uma plena realização da dignidade humana. São três elementos imprescindíveis para tornar «possível a criação dum pacto social», sem o qual se revela inconsistente todo o projeto de paz. E assim, partindo dos três contextos identificados, pode perguntar-se, como a instrução e a educação podem construir uma paz duradoura? O trabalho no mundo responde mais ou menos às necessidades vitais dos seres humanos de justiça e liberdade? E por fim, se as gerações são realmente solidárias entre si? Será que acreditam no futuro? E se e até que ponto o governo das sociedades consegue estabelecer, neste contexto, um horizonte de pacificação?
Fortalecidos com a certeza na fé em Jesus, Nosso Senhor, somos impelidos como os pastores do evangelho, a anunciar aos irmãos a alegra notícia de que Deus se fez homem para tornar o homem participante da vida divina. O Salvador – nascido de uma mulher– assumiu a nossa humanidade para nos dar a sua glória. Somos filhos no bendito Filho, que é também a nossa paz. Hoje, trata-se de aprender com Maria a escutar quanto o Senhor nos diz com a sua Palavra, a guardar na memória do coração o que Ele nos diz com os acontecimentos, mediante as pessoas que encontramos em cada dia.
Queremos que o ano que agora começa não seja apenas uma cronologia de calendário ou de relógio, uma sucessão de tempo e de horas, mas um «kairós», isto é um tempo favorável, de graça, de salvação e da paz. Hoje é o dia certo para rezarmos a «Santa Maria, Mãe de Deus, que rogue por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Ámen».
Feliz ano novo! Deus vos abençoe, mostre a sua face e vos dê a paz!
Hélder Fonseca Mendes
Administrador Diocesano de Angra e Ilhas dos Açores