Sé. Angra.

A celebração da Eucaristia com a qual damos inicio ao tempo santo da quaresma, a par com o banquete eucarístico no qual Jesus Cristo se nos dá em alimento, pela Palavra e pelo gesto da imposição das cinzas, manifesta a ternura e a misericórdia de Deus e a realidade sobre a pessoa humana que, embora criada para a comunhão com Deus, se separou pela desobediência e pelo pecado.

É muito eloquente a Palavra de Joel que tramite ao seu povo o amor infinito de Deus ao dizer «Voltai para mim de todo o coração, com jejuns, lágrimas e lamentações (…) Voltai para o Senhor, vosso Deus, que é clemente e compassivo, lento para ira e rico de bondade». Também nós hoje temos necessidade de escutar na profundidade do nosso ser o mesmo apelo a voltar, a regressar para o seio do Pai que nos espera, e a contemplar o rosto misericordioso e terno de Deus que na Sua Paternidade nos ama e quer abraçar-nos com ternura e envolver-nos da sua bondade.

Contudo, o caminho interior para chegar até Deus, ou melhor para deixar que Deus se revele na nossa vida é também descrito pelo profeta com as seguintes palavras que se tornam fortes desafios: «com jejuns, lágrimas e lamentações».

A intensidade destas palavras mostra-nos que só numa vida austera, simples, humildes, tão só através do arrependimento que se desprende da contemplação do rosto amoroso de Deus e pelo desejo de mudança de vida, se dá a volta de todo o coração.

Mas esta exigência de conversão e de regresso ao seio do pai, sendo prioridade para os baptizados, é-o para toda a humanidade que progressivamente se foi afastando de Deus. Tal como o profeta Joel, perante o secularismo agressivo que despreza Deus, perante a indiferença acerca de tudo o que diga respeito à transcendência divina, perante o domínio do materialismo consumidor da dignidade humana, perante o relevo dado ao egoísmo, à autoreferência e ao individualismo, também nos é exigido a nós hoje tocar  a trombeta, o ordenar um jejum, convocar a assembleia dos nossos contemporâneos e proclamar a Boa Noticia da presença de Deus que quer manifestar o Seu perdão e abraça-nos com a sua ternura e misericórdia.

O gesto das cinzas que iremos receber nas nossas cabeças é de profundo significado que nos faz sentir que na humildade e na simplicidade podemos alcançar a misericórdia. Liga-nos a toda a humanidade frágil e mortal, mas manifesta também o poder de Deus que ultrapassa o nosso pecado, a nossa miséria e tem para nós desígnios de amor e de vida.

Mas a Palavra de Deus convida-nos também à verdade do nosso ser que exige entrar no íntimo de cada um e aí encontrar-se com Deus que está para além de todas as aparências e se revela onde encontra corações humilhados e contritos, isto é, corações ansiosos por verdade e por amor.

O Evangelho adverte para tudo aquilo que sendo fingimento, exteriorismo, orgulho e vaidade, afasta de Deus e condena a pessoa humana ao vazio e à frustração. Entremos no santuário do nosso coração e deixemos que Deus nos fale e nos conduza pelo Seu amor.

Já na linguagem de S. Paulo nós somos embaixadores ao serviço de Cristo e nesta condição é-nos exigida que pela palavra e pelo testemunho lancemos a exortação que partindo de Deus passa pela vida de cada um e de cada comunidade cristã e que convida a humanidade de hoje à reconciliação com Deus.

Mais ainda, não desperdicemos este tempo que se apresenta como favorável e como oportunidade de salvação. Já que Deus nos oferece a Jesus Cristo, Seu Filho, como Salvador, aproveitemos esta generosa oferta do amor de Deus, vivendo na comunhão com Jesus Cristo e com os irmãos.

Assim a escuta da Palavra de Deus, celebração dos sacramentos, nomeadamente do sacramento da reconciliação, a oração mais frequente, a partilha generosa com os irmãos mais pobres e a contemplação dos sinais que nos fazem progredir nas diversas etapas da vivência quaresmal que nos conduzem até à participação na Vida Nova que nos vem da Páscoa de Jesus de Nazaré, são elementos imprescindível para o itinerário a que é chamado todo o baptizado ao longo da quaresma.

No final da quaresma, cada um é convidado a entregar a sua oferta da renuncia quaresmal que este ano se destina às vitimas dos incêndios das diocese de Portalegre – Castelo Branco e Viseu.

Imploro de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores que acompanhou o Seu Filho pelos caminhos da Paixão e da morte e se alegrou com a Sua Ressurreição derrame sobre nós, sobretudo os mais excluídos e marginalizados, as Suas Bençãos e Graças.

Amen.

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores