Sé Catedral. Angra.
«Convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e rico em misericórdia». Com estas palavras que escutámos da parte do profeta Joel iniciamos este tempo quaresmal que nos prepara para Páscoa de Jesus de Nazaré e nos implica também no banho pascal no qual somos renovados.
Temos os olhos postos em Deus que na Sua misericórdia, ternura e bondade nos espera com paciência e afecto. Sim, no itinerário quaresmal, devemos purificar as nossas imagens de Deus, tantas vezes de modelos pagãos e revestidas de idolatria, e no confronto com a Palavra revelada e sobretudo na pessoa de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, converter-nos a Deus no Amor e na misericórdia.
O amor atrai para o amor. Da nossa parte, todos os gestos do itinerário quaresmal, jejum, ascese, mortificação, sobriedade, austeridade, oração e penitência, iluminados pela Palavra e pela participação nos sacramentos, terão de expressar um coração faminto de amor e orientado para a fonte do Amor.
Tal como o povo do tempo do profeta Joel, também nós castigados e despojados da nossa dignidade perante um mundo que nos aprisiona e nos deporta da relação com Deus, somos convidados a uma renovada relação divina, penitenciando-nos, e celebrando-O com a entrega do nosso ser, mais do que com gestos exteriores e vazios.
É na verdade dos nossos actos que se coloca a exortação que nos vem da parte de Jesus de Nazaré, tal como nos é narrada no Evangelho.
O mundo é o palco onde se manifestam as intenções, os critérios, os valores, actitudes e no qual cada um realça onde coloca a sua esperança.
O facto de os Fariseus não abdicarem de serem vistos e honrados por tudo o que faziam, leva Jesus a condenar esta superficialidade e mesmo hipocrisia e a convidar à comunhão profunda com Deus que vê no interior do coração e no amor vivido e convivido oferece a recompensa.
Não pensemos que este espirito farisaico se encontra só na história longínqua de há dois mil anos, pelo contrário, ela atravessa toda a história da Igreja e da sociedade e pode atingir a cada um de nós.
Com o olhar colocado na Páscoa de Jesus Cristo que permanentemente renova cada pessoa que pelo baptismo a faz participar activamente numa comunidade cristã como testemunha da vida nova de ressuscitada, é exigência permanente para dar conteúdo aos nossos actos e orientar as nossas práticas quotidianas tanto a nível religioso como a nível social.
Sem esta renovação, paralisamos numa religiosidade sem vida, num ritualismo vazio, na repetição de actos que desgastam e não alimentam e deixamos de ter qualquer actuação evangélica no meio do mundo no qual vivemos.
O gesto da imposição das cinzas sobre a cabeça de cada um de nós é um convite à humildade para aceder à verdadeira sabedoria. Tão necessária para melhor se conhecer a si mesmo porque iluminado pelo mistério do amor de Deus que nos faz descobrir o caminho da nossa verdadeira dignidade de filhos de Deus.
Quem vive a comunhão com Deus, reconhece a vida nova que lhe é oferecida em Jesus Cristo, partilha-a com os irmãos numa comunidade e torna-se mensageiro do Evangelho na sociedade em que vive.
O cristão e a comunidade onde se integra e participa, na sua caminhada quaresmal, como itinerário de vivência baptismal, tem muito presente o mundo no qual vive e ao qual é chamado a oferecer o Evangelho.
A este propósito lembro a mensagem do Papa para a quaresma deste ano que foca a criação, na linguagem de S. Paulo, em expectativa de libertação.
Na verdade, «se o homem vive como filho de Deus, se vive como pessoa redimida, que se deixa guiar pelo Espírito Santo (cf. Rm 8, 14), e sabe reconhecer e praticar a lei de Deus, a começar pela lei gravada no seu coração e na natureza, beneficia também a criação, cooperando para a sua redenção» (Mensagem do Papa para a quaresma 2019, nº 1).
E se pelo pecado se interrompeu a comunhão com Deus, com os outros e com a criação, à qual nos encontramos ligados antes de mais nada através do nosso corpo, de facto, «trata-se daquele pecado que leva o homem a considerar-se como deus da criação, a sentir-se o seu senhor absoluto e a usá-la, não para o fim querido pelo Criador, mas para interesse próprio em detrimento das criaturas e dos outros» (Ib. nº 2); realmente, «esta expetativa da criação ver-se-á satisfeita quando se manifestarem os filhos de Deus, isto é, quando os cristãos e todos os homens entrarem decididamente neste «parto» que é a conversão. Juntamente connosco, toda a criação é chamada a sair “da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus” (Rm 8, 21) (Ib. nº 3).
Usando as palavras de S. Paulo, tal como ele as apresenta à comunidade de Corinto, também a Igreja hoje nos exorta dizendo «em nome de Cristo vos suplicamos: reconciliai-vos com Deus. Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos tornássemos, nele, justiça de Deus».
Caminhemos na comunhão com Jesus de Nazaré que na encarnação experimentou os nossos limites, sofrimentos e assumiu o nosso pecado, para nos libertar e nos introduzir na beleza do amor de Deus Pai.
Para finalizar, lembro o destino da renuncia quaresmal deste ano. Ela reverterá para a Diocese de São Tomé e Principe, nomeadamente para as Irmãs da Sagrada Família, no Príncipe, para os idosos do seu Centro de Dia e da Casa Betânia, que vivem com muitas carências.
Exorto todos os diocesanos com as mesmas palavras do Santo Padre: já que a quaresma do Filho de Deus «consistiu em entrar no deserto da criação para fazê-la voltar a ser aquele jardim da comunhão com Deus que era antes do pecado das origens (cf. Mc 1,12-13; Is 51,3)»; então, «que a nossa Quaresma seja percorrer o mesmo caminho, para levar a esperança de Cristo também à criação, que «será libertada da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus» (Rm 8, 21).
Imploro de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores e do Mártir O Beato João Baptista Machado, nosso padroeiro, que nos abençoem no itinerário quaresmal e nos conduzam à glória de Seu Filho Vivo e ressuscitado.
Amen.
+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores)