XXXIII Domingo do Tempo Comum – Horta.
Os textos bíblicos da celebração de hoje fazem-nos olhar o nosso futuro e o da humanidade; mais do que o fim, a finalidade. Falam de destruição, mas também de uma novidade: «para vós que temeis o Meu nome, nascerá o sol da justiça, trazendo nos seus raios a salvação».
A mensagem deste domingo compreende o anúncio da vinda do dia do Senhor. Cada domingo lembramos esse dia, como o primeiro na ordem a criação e como oitavo na ordem da ressurreição. Esse dia do Senhor é dia de juízo, de salvação e de cura. Trata-se de uma exortação à perseverança e à vigilância, ao discernimento contra a alienação e o engano, para que não nos deixemos tomar pelo medo e pela angústia. A perseverança que salva a alma não é nada de intimista, mas um ato de responsabilidade histórica de quem ousa pensar o futuro para além e depois de si. Longe de ser sinal de um pretenso fim do mundo iminente, estes acontecimentos são compreendidos como ocasião de martiria, isto é, de testemunho.
«Antes de tudo isto, deitar-vos-ão as mãos e hão-de perseguir-vos, entregando-vos às sinagogas e às prisões, conduzindo-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome. Assim tereis ocasião de dar testemunho», diz o evangelho desta manhã. Esta palavra é para nós. É viável e exequível pelo testemunho de vida de tantos e tantas que nos precederam, como é o caso da jovem Cecília, que ainda hoje admiramos, como padrão ou referência para o seguimento de Cristo.
Cecília, de nobre família romana, foi dada em casamento, contra a sua vontade, a um jovem. Se bem que tivesse alegado os motivos que a levavam a não aceitar este contrato, a vontade dos pais impôs-se. Estando só com o noivo, disse-lhe: “Valeriano, não queiras fazer coisa alguma contra mim”. A estas palavras, incompreensíveis para um pagão, Cecília fez seguir a declaração de ser cristã e de ter feito um voto a Deus de guardar a sua pureza. Valeriano, ficou “vivamente impressionado” com as declarações da noiva e respeitando a sua vontade, converteu-se e recebeu o batismo.
O prefeito de Roma teve conhecimento da conversão dos dois e exigiu que abandonassem, sob pena de morte, a religião que tinham abraçado. Diante da recusa formal, foram condenados à morte e decapitados. Também Cecília teve de comparecer na presença do juiz. Antes de mais nada, foi intimada a revelar onde estavam escondidos os tesouros dos dois sentenciados. Cecília respondeu-lhe que os tinha bem guardados, sem deixar perceber ao tirano que já tinham destino nas mãos dos pobres”.
Vem isto mesmo a propósito de hoje ser O Dia Mundial dos Pobres que nos faz uma sadia provocação para nos ajudar a refletir sobre o nosso estilo de vida e as inúmeras pobrezas da hora atual. «Jesus Cristo fez-Se pobre por vós» (2 Cor 8, 9).
O Papa Francisco, na sua mensagem para hoje, lembra que «a experiência de fragilidade e limitação, que vivemos nestes últimos anos e, agora, a tragédia duma guerra com repercussões globais, devem ensinar-nos decididamente uma coisa: não estamos no mundo para sobreviver, mas para que, a todos, seja consentida uma vida digna e feliz».
A mensagem de Jesus mostra-nos o caminho e faz-nos descobrir a existência duma pobreza que humilha e mata, e há outra pobreza – a d’Ele – que liberta e nos dá serenidade».
«A pobreza que mata é a miséria, filha da injustiça, da exploração, da violência e da iníqua distribuição dos recursos. É a pobreza desesperada, sem futuro, porque é imposta pela cultura do descarte que não oferece perspetivas nem vias de saída. Ao contrário, pobreza libertadora é aquela que se nos apresenta como uma opção responsável para alijar da estiva quanto há de supérfluo e apostar no essencial».
Oxalá este Dia Mundial dos Pobres se torne uma oportunidade de graça, para fazermos um exame de consciência, interrogando-nos se a pobreza de Jesus Cristo é a nossa fiel companheira de vida.
Após a opção por Jesus Cristo e pela sua pobreza libertadora e bem-aventurada, Cecília foi obrigada a render homenagens aos deuses. Conduzida a um lugar determinado para o martírio, falou com tanta convicção aos soldados da beleza da religião de Cristo que estes se declararam a seu favor, e prometeram abandonar o culto dos deuses.
A Igreja ocidental, como a oriental, têm grande veneração pela Mártir, cujo nome figura no cânon da Missa. O ofício desta festa traz como antífona um tópico das atas do martírio, as quais afirmam que nos festejos do casamento, ouvindo o som dos instrumentos musicais, Cecília teria elevado o coração a Deus: “Senhor, guardai sem mancha o meu corpo e a minha alma, para que não seja confundida”. Desde o século XV, Santa Cecília é considerada padroeira da música sacra.
Por esse motivo muitos compositores nela inspirados produziram belas obras musicais e tem serviço de pretexto entre nós, ainda hoje, para formar músicos e cantores. Estamos diante de um testemunho vivo, de homens e mulheres, jovens e idosos, ricos e pobres, que ao longo destes 100 anos, não só fizeram com prazer coisas belas através da música, como tornaram belas a suas vidas pela graça de Deus, tal como Cecília, sempre a cantar «um cântico novo» até à morte. A partilha do saber, o tocar juntos, cada um o seu papel na harmonia de um todo – tal como a verdade que é sinfónica – faz-nos mais ricos, com o sentido de precisarmos uns dos outros, para que na diferença de cada um, com as mesmas chaves de leitura, a comunhão aconteça.
Cada vez que celebramos a Eucaristia recordamos o passado «proclamamos a morte do Senhor», com o olhar no futuro «até que Ele venha», ainda que com tensão centrados no presente.
Celebramos a Eucaristia «enquanto esperamos a vinda gloriosa vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo». O nosso destino está no futuro e chama-se Deus. O futuro já está no hoje de cada dia. Por isso não vivemos na ociosidade, mas na luta e no trabalho, por construir uma nova criação, novos céus e nova terra, onde habite a justiça e a paz.
«O Senhor virá governar com justiça» é a resposta que cantamos à Palavra de Deus, pelo salmo que tão bem liga as leituras deste domingo à festa de Santa Cecília: «Cantai ao Senhor ao som da cítara, ao som da cítara e da lira; ao som da tuba e da trombeta, aclamai o Senhor, nosso Rei. Ressoe o mar e tudo o que ele encerra,
a terra inteira e tudo o que nela habita; aplaudam os rios e as montanhas exultem de alegria». Assim seja!
Hélder, Administrador Diocesano de Angra