Capela do Santo Cristo das Misericórdias. Praia da Vitória.
Ao longo deste últimos dias reunimo-nos em reflexão, convívio e partilha entre as Santas Casas da Misericórdia da Madeira e dos Açores e encerramos estes trabalhos com a celebração da Eucaristia na Solenidade do Pentecostes.
Celebrar o Pentecostes é colocarmo-nos perante a Pessoa divina do Espirito Santo e iluminados por Ele fazermos a experiência da Ressurreição e Vida Nova em Jesus Cristo.
Não só para a Região dos Açores o Espirito Santo faz parte da sua marca religiosa, cultural e de dinamismo comunitário mas também as Santas Casas da Misericórdia são herdeiras da profunda implicação da Pessoa do Espirito Santo na assistência aos mais desfavorecidos, nomeadamente os doentes. As primeiras instituições de prestação de serviços de saúde aos enfermos e aos carenciados estavam sob a marca da adoração ao Espirito Santo.
Mas a celebração é sempre uma vivência permanente dos factos salvíficos e actualização dos dinamismos que deles se projectam sobre a nossa vida pessoal e comunitária.
Deste modo, a partir dos episódios narrados na Palavra de Deus proclamada nesta liturgia, destacamos quatro contextos da acção do Espirito Santo. O primeiro diz respeito à manifestação da comunhão divina, Pai, Filho e Espirito Santo, unidade no mesmo Amor divino e diversidade na sua actuação salvífica; o segundo encerra o dinamismo do Espirito Santo em ordem à renovação da criação; o terceiro realça a promoção da comunidade cristã, unida no mesmo Espirito e na diversidade de dons e carismas nos seus membros; o quarto oferece-nos o horizonte da missão próprio de todo o discípulo de Jesus Cristo.
O Espirito Santo manifesta a comunhão divina do Pai, Filho e Espirito Santo. Na verdade, nunca é demais acentuar que o Deus revelado em Jesus Cristo é o Deus da comunhão, da unidade e do amor, da doacção e da entrega. A luz que se projecta sobre a experiência cristã para oferecer a verdade sobre Deus tal como Ele se revela na história da salvação e sobretudo na Vida do Seu Filho vem do Espirito Santo que no intimo do ser de cada um o faz sentir a realidade de filho de Deus e irmão dos seus concidadãos.
O Espirito Santo renova a obra criada em ordem à promoção de uma nova criação. Ouvimos no Evangelho que Jesus Cristo na experiência de ressuscitado junto dos Seus Apóstolos realizou o mesmo gesto que está presente no livro do Génesis quando Deus soprou sobre o barro para nele infundir o Seu Espirito. Agora é Jesus Cristo Vivo que, uma vez resgatada a velha criação, sopra sobre os Seus discipulos dizendo-lhes. «recebei o Espirito Santo». Deste modo, quer fazer deles as primícias da nova criação.
O mesmo se diga no relato do episódio do Pentecostes narrado na primeira leitura. Perante a proclamação de Pedro, todos os povos se unem na mesma linguagem e no mesmo entendimento. Eis, a nova criação, reconciliada com Deus e uns com os outros a viver a comunhão e a verdadeira fraternidade. Estamos perante a linguagem universal do amor, da partilha e da entrega mútua para o bem do próximo.
O Espirito Santo promove e edifica comunidades de discípulos a viverem na unidade, na comunhão e na partilha de carismas e dons entre os seus membros. Tal como nos diz S. Paulo na primeira Carta aos Corintios que escutamos «ninguém é capaz de dizer “Jesus é Senhor” senão pela acção do Espirito Santo»; «há diversas operações, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos»; e ainda, «cada um, porém recebe o dom de manifestar o Espirito, em ordem ao bem comum».
Para realçar a unidade e a diversidade dentro da comunidade cristã, S. Paulo refere-se a ela através da imagem do corpo humano que sendo um só tem muitos membros. Pelo baptismo constituímos um só corpo.
Belissima, oportuna e exigente imagem para a comunidade cristã. Muito mais actual quando somos chamados a ser comunidade num meio de uma cultura que promove o individualismo e o egoísmo. Mas é uma forte interpelação à vida comunitária para uma diversificação ministerial vivida numa continua edificação da comunhão eclesial.
O Espirito Santo abre o ser de cada baptizado para a missão. O envio que caracteriza a experiência pascal de Jesus Cristo com os Seus Apóstolos recebe uma continuidade na vida de todos os baptizados que na convivência com a Pessoa de Jesus de Nazaré escutam o chamamento ao seguimento e o envio para irem ao encontro do mundo dos homens de cada tempo para lhe testemunhar a Vida Nova do Ressuscitado e oferecer com os gestos e palavras a mesma obra libertadora de Jesus Cristo. Deste modo, se edifica uma nova criação e uma nova cultura mais dignas do ser humano.
Caros cristãos e participantes neste congresso das misericórdias, é muito enriquecedor para todos nós esta relação entre as instituições que vós servis e a acção do Espirito Santo. Sejamos dignos desta intuição original que norteou, com tão profunda sabedoria, os nossos antepassados.
Os tempos em que vivemos são demolidores da verdadeira construção de uma sociedade e de uma cultura sedimentadas em bases sólidas. O mero tradicionalismo, o formalismo vazio e a falta de fundamentos sólidos para a identidade das acções que recebemos e que exigem a renovação constante, colocam uma séria reflexão no presente e a coragem para uma refontalização em ordem à edificação de instituições com alma e com conteúdo que envolvam a eficácia.
É tempo de deixarmos medos e preconceitos que a história moderna do pensamento projectou sobre a presença pública do cristianismo e da acção pública aberta e livre dos cristãos. Esta liberdade de espirito e de inteligência será boa para a cultura, para a sociedade e sobretudo para as pessoas.
Estamos em tempos novos, com novos desafios e com um conjunto de novas pobrezas e carências que interpelam as instituições e os intervenientes sociais.
Há uma nova criação a edificar. Pertence-nos a nós não só responder às acções directas de ajuda mas também a oferecer os fundamentos para uma nova humanidade.
O Espirito Santo convida a partilhar os dons pessoais com os demais no contexto da comunidade e do mundo.
Imploro de Nossa Senhora a Mãe das Misericórdias que derrame as suas bênçãos sobre as Santas Casas de quem Ela é Padroeira e nos conduza pelos caminhos do amor e da paz.
+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores