Paróquia Santuário Sra dos Milagres. Serreta.
O evangelho de São João fala da Mulher e da Mãe, desde o início nas bodas da Caná até ao final no Calvário e na glorificação. Esta Mulher e Mãe pode ser também Esposa, isto é, Israel ou a Igreja. O discípulo amado /ideal é Jesus e é também a Igreja, somos nós. Jesus pede ao discípulo que reconheça em Maria a sua origem (Mãe), e à Mãe que reconheça no discípulo a sua continuidade (filho).
São João é o único evangelista que não diz «quem quiser ser meu discípulo tome a sua Cruz», porque apresenta a Mãe e o discípulo de junto à Cruz. Ela está de pé com o filho pequeno ao colo e de pé junto à cruz do Filho. Para João, os verdadeiros discípulos de Jesus são os que se mostram capazes de segui-Lo até à cruz. O discípulo anónimo, que não tem nome, mais do que predileto é o ideal, como, de facto João, que foi o primeiro a segui-Lo e a testemunhar a sua ressurreição.
Jesus não se refere tanto a Maria como sua Mãe, mas como mãe de toda a comunidade, que nasce do Israel e permanece fiel a Deus, daqueles que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática, isto é, daqueles e daquelas se deixam fecundar por essa Palavra. Mais do que se centrar em Si, Jesus identifica-se com o discípulo amado, que é como Ele.
Maria deve agora acolher todos os discípulos amados e estes devem acolhê-la por Mãe. O que historicamente aparece como uma cena de morte, quer na pietá, quer no «stabat mater dolorosa», transforma-se em opção de vida.
O que o evangelista descreve não é uma morte, seguida de um funeral, mas um parto. Um discípulo amado que tem Mãe e uma Mãe que tem por filho um discípulo amado. À letra, a Mãe e o discípulo amado são Maria e Jesus, mas como o texto não diz nomes, podemos ler Maria e cada um de nós, peregrinos e membros da Igreja, sentados agora à sua mesa. Maria esteve ao lado do seu Filho, desde o nascimento até à paixão e à morte; este encontro e esta relação não foi um episódio ocasional.
Todos fugiram por medo e para não se comprometerem. Ficaram a Mãe e o discípulo. Esse é o nosso lugar e o nosso papel. Maria e João ficaram ao lado do condenado, do revolucionário. Os desertores ficaram do lado da religião oficial. Cumpre-se assim a sua vocação de maternidade universal. Não foi fácil. Maria esteve sozinha na anunciação e no calvário, baseada apenas na obediência da fé, não na certeza da evidência.
«Aqui tens a tua Mãe», diz Jesus a cada discípulo de hoje. Aprendamos da sua fé e da sua fortaleza. Levemo-la no coração como o discípulo amado. Viemos até aqui, de perto e de longe, ao Santuário de Nª. Sª. dos Milagres na Serreta. O Papa Francisco na Carta Apostólica «Sanctuarium in Ecclesia» afirma que o Santuário possui na Igreja um «grande valor simbólico», pois fazer-se peregrinos é uma genuína profissão de fé.
Através da contemplação desta imagem da Virgem Maria corrobora-se a esperança de sentir mais forte a proximidade de Deus, abre-se o coração à confiança de sermos ouvidos e ver realizados os nossos desejos mais profundos, de acordo com a vontade de Deus. A piedade encontra no Santuário um lugar privilegiado onde se pode exprimir a oração, devoção e entrega à misericórdia de Deus, atitudes tao inculturadas na vida do nosso povo.
O santuário permanece como sinal peculiar da fé simples e humilde dos crentes, que encontram neste lugar sagrado a dimensão basilar da sua existência. Aqui experimentam de maneira profunda a proximidade de Deus, a ternura da Virgem Maria e a companhia dos Santos, numa experiência de verdadeira espiritualidade onde a ação do Espírito Santo e a vida de graça se manifesta.
O grande afluxo de peregrinos, a oração humilde e simples do povo de Deus alternada às celebrações litúrgicas, a realização de muitas graças que numerosos crentes atestam ter recebido e a beleza natural deste lugar permite verificar como os Santuários exprimem uma oportunidade insubstituível para a evangelização do nosso tempo.
Estes lugares, não obstante a crise de fé que afeta o mundo contemporâneo, são ainda percebidos como espaços sagrados rumo aos quais se pode ir como peregrinos para encontrar um momento de descanso, de silêncio e de contemplação, na vida frenética dos nossos dias. Pela sua natureza, o Santuário é um lugar sagrado onde a proclamação da Palavra de Deus, a celebração dos Sacramentos, em particular da Reconciliação e da Eucaristia, e o testemunho da caridade exprimem o compromisso da Igreja para com a evangelização.
Através da espiritualidade própria do Santuário, os peregrinos são guiados com a “pedagogia de evangelização” rumo a um compromisso cada vez mais responsável na sua formação cristã, no testemunho de caridade. No Santuário escancararam-se as portas aos jovens, aos doentes, às pessoas com deficiências e, sobretudo, aos pobres, marginalizados e migrantes.
Ao longo deste ano, fizemos a rota dos santuários açorianos, dedicados a Cristo e à sua Mãe. Em dezembro passado, viemos do Santuário de Nª. Sª. da Conceição de Angra, passamos pelo Senhor Santo Cristo dos Milagres em Ponta Delgada, pelo Senhor Bom Jesus do Pico, pelo Senhor Santo Cristo da Caldeira de São Jorge e terminamos em setembro o itinerário em casa de Nossa Senhora dos Milagres na Serreta.
Esta viagem faz-nos recordar que «somos um povo que caminha e juntos caminhando podemos alcançar uma cidade onde há justiça, sem penas nem tristezas, cidade onde há paz». Glorifiquemos a Deus com a nossa vida, dando testemunho do seu Evangelho, e em procissão caminhemos em paz.
Hélder, Administrador Diocesano de Angra