Sé de Angra.
«Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura».
Na passagem do evangelho da missa da noite do Natal do Senhor ouvimos um anjo a dizer-nos para não termos medo, há um anúncio jubiloso para toda a gente: que nos é dado um Salvador, Cristo, o Senhor; que este encontro com o Senhor não é imediato, faz-se através de um sinal a que chamamos presépio.
Ora o presépio está no nível térreo, no chão. Normalmente a ideia que temos da transcendência, do céu e de Deus é do lugar mais alto, a uma distância a que nós os humanos não chegamos. Será por isso que para as crianças o lugar por excelência para brincarem e se relacionarem com a realidade é ao nível do chão. Como é bonito ver as crianças deitadas no solo a comtemplar o presépio, ao nível do seu olhar, a cruzar olhares com um horizonte livre. Se um adulto, na verdade, quer comunicar com uma criança, tem de se baixar e colocar o seu olhar ao nível dos olhos dela. Assim é o presépio, normalmente colocado no chão; quem o quiser apreciar ou contemplar tem de se baixar, e quanto mais pequeno for menor será o esforço.
Vem isto a propósito do mistério da manifestação de Deus em Jesus, agora Menino, até que se revele plenamente no seu mistério pascal e na efusão do Espírito Santo. Se Deus, considerado em Si mesmo se mantivesse inacessível e invisível, nós não seríamos capazes de recebê-Lo, entendê-Lo, escutar e conversar com Ele. Então, tal como um pai, uma mãe ou um irmão mais velho se baixam para se entenderem com o mais pequenino, assim é Deus que desce de uma altura inacessível e se torna um de nós, como nós, para que, participando da nossa sorte, a gente possa participar da sorte d’Ele.
Quando falamos de Deus, falamos de consolo, pois «não é bom que o homem esteja só». Tal como o Espírito Santo é o consolador, assim é Deus no mistério de encarnação de Jesus. O Natal é um consolo, um conforto. E quando estamos juntos, como acontece preferencialmente neste tempo do Natal, dizemos que «nos estamos consolando». E assim é, por contrariar a solidão que não só entristece, como dói, corrói e até mata.
O modo como construímos a cultura atual, agravado pela pandemia, gera altos níveis não só de stress, mas também de tédio e solidão, quer nas crianças, nos adolescentes, nos jovens, no trabalho e nos idosos. A uns dáse como remédio um jogo que pode trazer grande envolvimento emocional, mas que não faz companhia, a outros dá-se teletrabalho sem convívio humano, e a outros deixa-se num repouso forçado, qual abandono, sem companhia nem consolo. Não há que matar tempo, como se fosse obrigatório estarmos distraídos para esquecer a realidade, isto é, as pessoas, sobretudo as mais vulneráveis. Ora, o mistério de Deus revelado em Jesus é uma companhia permanente, uma comunhão, um conforto, um consolo, o estar um com o outro.
Se temos Natal é porque os mais velhos no-lo transmitiram nas suas raízes de fé e de cultura. Eles e elas fazem parte das nossas casas e das nossas comunidades: «Isolar os idosos e abandoná-los à responsabilidade de outros, sem um acompanhamento familiar e amoroso, mutila e empobrece a própria família. Além, disso, acaba por privar os jovens daquele contato que lhe é necessário com as suas raízes e com uma sabedoria que a juventude, sozinha, não pode alcançar» (FT 19).
Estas palavras do Papa Francisco lembram uma declaração da Comissão Nacional Justiça e Paz do ano passado e ainda atual, onde se diz «Ao Estado (leia-se também Região) não compete tudo, mas é a ele que tem de se exigir a criação de uma política de apoio aos idosos ondem estejam definidos objetivos e meios para aplicar com recurso a meios financeiros próprios e de terceiros. Quando esgotada esta possibilidade, o recurso aos lares deve ser encarado». Há aqui uma ordem de prioridade que nós invertemos na nossa Região nos últimos 45 anos. Não se trata de desvalorar a resposta social de internamento ou institucionalização, quando necessária, mas de não a ver como uma prioridade ou fatalidade, que só assim mereceria o apoio social do Estado.
A nossa comunidade cristã, comunhão de famílias, deve ser estimuladora de uma cultura de proximidade, que anime os sós na partilha de bens, do saber, do tempo, da simpatia e da amabilidade. Em muitos lugares, o doente, o mais velho, o deficiente, a vítima da violência doméstica, o migrante, o refugiado e o prisioneiro têm sido os mais afetados pelo esquecimento na nuvem que paira à conta da pandemia.
O que não distingue o primeiro do último Natal, o do evangelho de Lucas e o de 2021, é que nem num caso nem noutro, há presépio por «não haver lugar para eles na hospedaria».
Então ficamos a saber que Deus se faz pequeno, colocando-se ao nível dos nossos olhos, ouvidos, lábios e mãos para que a gente O possa receber, acolher, abraçar, tocar e entender-se. É assim na Palavra de Deus e nos sacramentos sobretudo na Eucaristia. O Emanuel do presépio é o Deus connosco da Eucaristia. A outra consequência prática, que é remédio para a solidão, é a inclusão e a solidariedade. Há um só Deus, mas não solitário; há só um Menino no presépio, mas não solitário; e assim por diante nas nossas casas, comunidades, instituições e cidades.
A criatividade de Maria e de José, associada à generosidade do proprietário do terreno de Belém e dos animais, fez com que hoje a gente conheça a Deus, que Ele habite entre nós, para nos habituarmos a inclui-Lo e a incluir os outros na nossa relação, que passa pela comunicação e vai até a comunhão. No Natal encontramos um Deus connosco, como força, esperança e coragem para não nos sentirmos sós.
Nesta noite santa aceitemos agradecidos a humildade de Deus, que experimenta a nossa humidade e humanidade, e correspondamos a ela com a nossa atitude e altitude. Se encontramos Deus num presépio à nossa altura, ficamos com o dever de buscar o próximo à mesma altura dos nossos olhos. O Natal convida-nos a ter o valor de ser pequenos. É Deus quem nos ensina e assim o faz.
Passemos à celebração da Eucaristia do Natal, pedindo ao Senhor que «aceite os dons que trazemos ao altar e que os santifique com o mesmo Espírito que pelo poder da sua graça, fecundou o seio da Virgem Maria», pois «pelo mistério do Verbo encarnado, nova luz da vossa glória brilhou sobre nós, para que, contemplando a Deus visível aos nossos olhos aprendamos a amar o que é invisível».
Hélder Fonseca Mendes
Administrador Diocesano de Angra e Ilhas dos Açores