Igreja de São José. Ponta Delgada.
Leituras: 2 Coríntios, 4,16 – 5, 10; São João, 21, 1- 19
Aqui temos um homem que durante 76 anos fez o seu caminho por este mundo, sobretudo nesta ilha de S. Miguel. Hoje chegou à meta. Pedimos pelo Padre Cipriano que escutou a voz de Jesus e que acudiu aos seus braços. Entre S. Pedro e o P. Cipriano há mundos de distância ou pelo menos 2000 anos, embora tenha nascido e crescido num São Pedro (de Nordestinho) e tenha serviço a Igreja no mesmo Pedro em Ponta Delgada. Pedro era pescador; Cipriano era padre. Apesar disso têm muitas coisas em comum. Recordemos as de Cipriano.
CIPRIANO FRANCO PACHECO, nasceu em São Pedro de Nordestinho, concelho de Nordeste, na ilha de São Miguel, a 3 de novembro de 1945, no mesmo dia em que a Diocese de Angra perfazia 411 anos. Foi ordenado na Sé de Angra, a 25 de maio de 1969, por Dom Manuel Afonso de Carvalho. Faleceu aos 76 anos de idade, no Hospital do Divino Espírito Santo em Ponta Delgada, no dia 25 de setembro de 2022. Em 1970 foi nomeado Vigário Cooperador de Santa Cruz da Praia da Vitória; em 1974 foi nomeado pároco da Salga, na Ouvidoria do Nordeste; em 1979 é nomeado pároco da Fazenda do Nordeste; em 1986 foi nomeado Vigário Cooperador de São Pedro de Ponta Delgada, ao mesmo tempo que leciona diversas disciplinas em escolas públicas dessa cidade. Nesses anos, com ele surge o GRAP, Grupo de Ação e Reflexão Pastoral, que associava os ensinamentos do concílio Vaticano II, sobretudo das suas constituições, ao pensamento político, social e cultural que se vivia na Região Autónoma dos Açores. Foi também assistente diocesano da MCE, Movimento Católico de Estudantes. Em 1994 foi nomeado pároco da Fajã de Cima na Ouvidora de Ponta Delgada; Em 1997 foi nomeado Vice-Diretor do então Instituto de Cultura Católico no núcleo de Ponta Delgada e mais tarde seu diretor, promovendo o curso de licenciatura em ciências religiosas, numa extensão da Universidade Católica Portuguesa, que não se voltou a repetir, tendo editado aí várias obras de interesse para diversos públicos. Em 1998 foi nomeado Vigário Paroquial da Relva, na Ouvidoria de Ponta Delgada e assistente da Comissão Diocesana Justiça e Paz; em 2002 volta a ser nomeado Vigário Paroquial de São Pedro de Ponta Delgada; em 2006 é chamado a ser Vigário Episcopal da Ilha de São Miguel, sendo também membro do Colégio de Consultores e membro do Conselho Episcopal, sendo durante vários períodos membro do Conselho Presbiteral; nesse ano é ainda nomeado presidente da direção do Serviço de Apoio ao Clero Doente e Idoso da ilha de São Miguel; em 2008 é chamado a ser Diretor Espiritual do Seminário Episcopal de Angra e docente de História da Filosofia no mesmo Seminário. Em 2009 foi nomeado Diretor do Serviço Diocesano para a Pastoral da Cultura e do Ecumenismo; em 2011 volta, pela terceira vez, a ser nomeado Vigário Paroquial de São Pedro de Ponta Delgada, onde colaborava assiduamente na igreja do Imaculado Coração de Maria nas Laranjeiras e no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada; em 2012 volta a ser nomeado pela segunda vez e para um novo mandato Vigário Episcopal para a Ilha de São Miguel, voltando a ser por inerência membro do Conselho Episcopal; em 2014 é nomeado assistente do Serviço Diocesano para a Pastoral Social; em 2015 é nomeado pároco «in solidum» das Lajes, Vila Nova, Santa Luzia e Santa Rita na Ouvidoria da Praia da Vitória, voltando a ser professor de Filosofia no Seminário de Angra; aí foi conselheiro espiritual da Academia de São Tomás de Aquino; em 2019 celebrou a suas bodas de Ouro de sacerdotais, onde fez um balanço da sua vida e do seu ministério, pedindo perdão pela vezes que não foi o padre que Deus sonhava e esperava que ele fosse. Em 2022 recebeu a última provisão para professor de filosofa do Seminário de Angra, ainda hoje em vigor, uma vez que se havia doutorado em Filosofia na Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino, em Roma, precisamente sobre o pensamento e obra de São Tomás, tendo também colaborado com a Universidade dos Acores. Foi o responsável dos padres do Prado em Portugal durante vários anos. Esteve sempre envolvido na formação do clero e dos leigos, no estudo do evangelho e na atenção aos mais pobres e fracos. Era muito querido por todos quantos o conheciam e com ele conviviam. Voltemos a Pedro e a Cipriano, na linha do evangelho que escutamos.
Ambos foram chamados por Deus – Em primeiro lugar há um acontecimento importante na sua vida, a que chamamos de vocação. Em certa ocasião Jesus terá dito a Pedro: «Preciso de ti, a partir de agora serás pescador de homens». Com os seus dotes devia construir uma ponte entre Deus e os homens. A palavra latina pontífice quer dizer construtor de pontes. Em determinada altura Cipriano sentia que Deus o chamava: «Deus precisa de mim, pois devo fazer pontes entre Deus e os homens». Foi então que deixou a sua terra e a casa de seus pais rumo ao Seminário, fora da sua ilha.
Chamados a servir – Na atual crise de vocações que se vive na nossa Diocese mal se pode imaginar que alguém siga este caminho. Os leigos, pais e mães de família que estão aqui presentes como reagiriam se um filho lhes dissesse hoje que queria ser padre? Os vossos rostos tracionariam a resposta: «estás doido?» «Isso não é para ti? «Filho meu… nem pensar?». O que terão dito os pais de Cipriano quando ele lhe comunicou esta decisão. Talvez o José Maria, seu irmão se recorde ou tenha ouvido contar em casa. Se ser padre fosse tão mal, não estaríamos aqui em tão grande número e com tanta admiração e estima pela vida e missão do P. Cipriano. O mesmo disse Pedro a Jesus quando anunciou a sua Paixão e o mesmo disseram os discípulos a Pedro. Pedro abandona o chão seguro da barca e desce à água. Os discípulos assustam-se. Pedro confia e atreve-se. Cipriano, feito o Seminário é ordenado padre. Deixa um chão seguro: família, carreira, bens materiais. Arrisca-se por um caminho desconhecido que não sabia à partida qual seria e o que seria, tal como Abraão que saiu da sua terra sem saber para onde. Alguns assustam-se só com esta ideia. Muitos nunca compreendem como pode um homem ou uma mulher fazer algo assim.
Viver a vocação – O que terá permitido a Pedro andar tão valentemente foi a voz de Jesus: «Vem». A barca é agitada pelas ondas, o vento contra, a água que entra na barca . Os discípulos cheios de medo começam a gritar: Pedro ouve a voz de Jesus: «Sou Eu, não temais». Pedro dirige-se a Jesus. Se Cipriano ou um jovem hoje quer ser padre isto depende da voz de Jesus e de cada um. Com ruídos e barulho não ouvimos. Deus tem um modo muito suave de falar, tal como a de Cipriano. Deus corteja amorosamente a cada um e chama-o pelo seu nome. Quem escuta a sua voz no meio do tumulto da vida quotidiana atreve-se a descer da barca.
Olhar para diante – Pedro escuta a chamada e abandona o último resto de segurança. Com fé, atreve-se a ir ao encontro de Jesus. Quiçá, alguns de nós pensaremos: este salto na água é de loucos. Quando Pedro olha mais o perigo que o ameaça do que ao Senhor que vem ao seu encontro afunda-se. De facto, as dúvidas sobre Deus estão em cada homem. Todos conhecemos o sentimento de medo, de nos afundarmos em alguma parte.
A esperança – Porque reconhecemos a história de Pedro como a nossa possível história, atrevemo-nos a esperar que todos os que abandonam a segurança da barca pela causa de Jesus Cristo ganham a nova segurança da vida pascal. Porque podemos esperar que aquele que ousa dar o salto da fé, mas logo tem medo e se afunda pode gritar «Senhor, salva-me», sendo levado à outra margem, da nova vida, a vida pascal.
Tende confiança – Todos sabemos que o Padre Cipriano viveu aqui na barca de várias comunidades. Todos conhecemos o seu modo simples e corajoso de aguentar as tormentas, as ondas. Ao final da sua vida, deixou todas as seguranças humanas e empreendeu o caminho sobre as águas da morte até ao encontro com Cristo ressuscitado. Há-de ouvir nesse abraço Jesus a dizer-lhe «Cipriano, sou Eu não temais». Para ele e para nós, que ficamos por mais algum tempo, temos este motivo de esperança de Cristo ressuscitado: «Sou eu, o Senhor, não temais». Assim seja!
Hélder, Administrador Diocesano de Angra