Sé Catedral. Angra.
Depois de nos últimos três domingos de Páscoa, o evangelho apresentar três aparições do ressuscitado, neste 4º. Domingo apresenta-nos Jesus como Pastor, não fosse Ele a conduzir e a orientar os discípulos, fazendo deles uma comunidade, e dando-lhes a vida eterna. E ainda hoje é assim, o Ressuscitado continua a ser pastor, a formar comunidades, a guiar e a alimentar as suas ovelhas, através da actividade apostólica da pregação da Palavra de Deus.
O fato de Jesus se chamar a Si mesmo de bom ou belo pastor não é uma vaidade ou presunção. Fá-lo com propriedade, pois sempre na sua vida actuou como tal: conhece as pessoas, defende-as, não quer que nenhuma se perca, dá-lhes a vida eterna, e finalmente oferece a sua própria vida por elas. Que mais pode fazer um pastor pelo seu rebanho, um agricultor pela sua vinha, ou uma mãe pelos seus filhos?
Tudo fica mais claro quando o Apocalipse chama ao pastor também de cordeiro. É um cordeiro pastor e um pastor cordeiro. Precisamente porque se entregou, pode agora ir à frente, guiar e dar a vida pela suas ovelhas. Ele já nos precede, já abriu caminho, já chegou ao destino, já abriu a porta, e por isso nos pode conduzir às fontes da água da vida. Nós contamos sempre com a sua ajuda e guia, acompanhamento e defesa. Podemos estar orgulhosos e agradecidos por pertencer à sua comunidade, e não desconfiados ou envergonhados como muitas vezes parece.
Os três verbos principais que o evangelho de hoje apresenta são: escutar, conhecer e seguir. De facto, a vocação a uma vida de especial consagração é algo de extraordinário, grande e belo, vem do alto, mas não no sentido que aparece repentinamente ou por acaso como se não houvesse mais nada. Não, vem do alto, mas não cai do céu. A vocação aparece na vida de uma pessoa e de um baptizado, quando este responde afirmativamente ao chamamento à fé e à santidade, vai conformando a sua vida e projecto com a vontade de Deus e se entrega a essa vontade, num sonho que tece e toca a vida toda.
O primeiro passo é a escuta da voz de Deus e dos clamores das outras pessoas, sobretudo daqueles que tem fome e sede de justiça e de paz; o discernimento faz-se nesta atitude espiritual da escuta, no silêncio e na oração; este é o primeiro passo para o conhecimento. Conhecer Jesus Cristo é tudo! Nessa fonte encontramos tudo sobre o homem e tudo sobre Deus, o resto passa um plano relativo; tal conhecimento só é possível por ambas as partes se darem a conhecer para estabelecer uma comunhão de vida. Posto isso, quando há escuta e conhecimento, então pode haver seguimento. E aqui temos as etapas espirituais de um processo vocacional.
No evangelho de hoje vemos que a identificação de Jesus como pastor não é uma definição nem uma função, mas um estilo de se relacionar com o Pai e com os outros: «Eu e o Pai somos um só». Trata-se de uma afirmação fundamental da revelação do mistério de Deus e da Trindade santa. Depois, não há dúvida que o título de pastor é para indicar como Jesus se relaciona com as ovelhas, pela voz, pelo cajado, pelo cuidado, pela oferta de pastos verdejantes, pela água, pelo caminho, pelo descanso, pela frescura, pelo tratamento das feridas, pelos ombros e pelo colo. Podemos então concluir que no âmago de ser pastor, ou de toda a acção pastoral da Igreja, está a ralação pessoal como o Senhor, isto é, a dimensão espiritual alimentada pela fé e pela oração, e a relação com as outras pessoas feita de conhecimento, amor, escuta, dedicação e dom da vida. O pastor é aquele que põe a sua atenção no bater do coração de Deus e do coração das pessoas que tem à sua volta e à sua cura.
Se tudo isto é uma boa notícia em sentido lato, devemos descer agora a cada sujeito, a cada um de nós, pois corremos o perigo de não identificar, não escutar a voz do Bom pastor, não a conhecer ou reconhecer e consequentemente de não O seguir.
Assim como um pai e uma mãe ensinam os filhos a não se deixarem levar por estranhos, seja em sentido físico ou presencial, seja pelo perigo ainda maior de se deixarem levar pela voz de perfis falsos que aparecem no mundo digital, assim o evangelho nos alerta para o perigo que corremos nós hoje também. A pergunta que devo fazer é: eu escuto a voz de Jesus, o belo pastor? Tenho interesse em conhece-Lo, em conhecer a luz da verdade, uma vez que só Ele é que me dá a vida, a graça e a eternidade, como cordeiro e como pastor? Se as duas respostas são positivas, então o meu dever de consciência é segui-Lo, e não confundir a sua voz com outras vozes que podem de imediato ser mais apelativas e tantas vezes de promessas falsas.
São Gregório Magno, a este propósito escreve: «Nenhuma contrariedade nos afaste da alegria desta solenidade interior. Se alguém deseja atingir um lugar determinado, não há obstáculo no caminho que o demova do seu intento. Nenhuma prosperidade sedutora nos iluda. Insensato seria o viajante que, contemplando a beleza da paisagem se esquecesse de continuar a sua viagem até ao fim».
Ao terminar hoje a semana de oração pelas vocações, damos início até ao próximo domingo, à Semana da Vida, sempre n’Aquele que deu a vida para que a gente a tenha em abundância. O Serviço Diocesano da Pastoral da Família alerta-nos para a vida que acolhemos, para os que ainda não nasceram, para a adopção, para os refugiados, para o que é diferente, para os que sofrem, para os que cuidam e para a família como lugar de acolhimento. São realidades bem nossas e actuais, em que a nossa fé, apoiada na condução e guia do Bom Pastor, passa a ter outro alcance, independentemente daquilo que as maiorias possam aprovar nos parlamentos ou na rua.
Por isso, nesta celebração, empenhemo-nos em apoiar a pastoral das vocações e seminários, sobretudo o nosso Seminário Diocesano, não só através da contribuição material, como acontece hoje nas colectas das celebrações em todo país, mas também na oração que pode ser assim:
Senhor, nosso Pai e Criador, Deus da história, da vida e da beleza, do sonho e da realidade, nós Te pedimos: ensina-nos a tecer e a entrelaçar a nossa história pessoal e comunitária com os fios do Teu amor!
Senhor Jesus, Mestre e Amigo, reaviva em nós a consciência de sermos povo de irmãos e irmãs, amado e escolhido para anunciar,
testemunhar e semear a Tua paz!
Espírito Santo, força suave de vida, dá-nos a coragem do desassossego, abertura e docilidade, para escutarmos o chamamento e para vivermos com fidelidade e alegria a nossa vocação!
A Maria e José pedimos intercessão para que a Igreja e cada uma das suas comunidades sejam seio fecundo de novas e santas vocações. Ámen!
Hélder, Administrador Diocesano de Angra