«Caminhar num progresso que promova a Paz»

Ao começar um ano novo, certamente que se renova a esperança num futuro melhor. Por isso, os votos trocados entre familiares e amigos se traduzem em afirmar «próspero ano novo».

A paz é uma realidade tão abrangente na vida da pessoa e da convivência entre os povos que se traduz no primeiro de todos os anseios da pessoa, da sociedade e da cultura de cada época.

Em cada ano o Santo Padre oferece uma mensagem de ano novo que desfia a humanidade em aspectos que são fundamentais para a construção da paz. Este ano o tema é «a boa política está a serviço da paz».

Lembrando a Enciclica de S. João XXIII, o Papa responsabiliza cada cidadão pela sua participação activa na vida pública e os governantes para que promovam um serviço público que respeite e edifique a dignidade da pessoa e sobretudo tenha em atenção os mais desfavorecidos e excluídos. O texto da mensagem expressa o dever de desenvolver um diálogo entre pessoas e culturas a partir do serviço prestado pelos que têm o dever de governar.

Na referida Enciclica, S. João XXIII afirma que «numa convivência humana bem constituída e eficiente, é fundamental o princípio de que cada ser humano é pessoa; isto é, natureza dotada de inteligência e vontade livre» (PinT, 9). Aliás, «por essa razão, possui em si mesmo direitos e deveres, que emanam direta e simultaneamente de sua própria natureza» (Ib, 9). De facto, «trata-se, por conseguinte, de direitos e deveres universais, invioláveis, e inalienáveis» (Ib., 9).

Em cada ano que começa, com a esperança que se renova, devemos lançar um olhar global a todo o ser humano e observar atentamente o conteúdo que integram os direitos humanos que devem ser salvaguardados a todo o cidadão.

Passados tantos anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e desta Encilica de S. João XXIII, lamentavelmente teremos de reconhecer que progresso alcançado não foi acompanhado com a verdadeira edificação da dignidade de toda a pessoa.

Citando ainda o texto da referida Enciclica de S. João XXIII, num dado passo realça-se que «sendo os homens sociais por natureza, é mister convivam uns com os outros e promovam o bem mútuo» (Ib. 31). Consequentemente, «por esta razão, é exigência de uma sociedade humana bem constituída que mutuamente sejam reconhecidos e cumpridos os respectivos direitos e deveres» (Ib, 31). Deste modo, «segue-se, igualmente, que todos devem trazer a sua própria contribuição generosa à construção de uma sociedade na qual direitos e deveres se exerçam com solércia e eficiência cada vez maiores» (Ib, 31).

No contexto de uma cultura que não tem em conta o ser humano na sua global compreensão e não lhe são dadas as possibilidades de um desenvolvimento pessoal e social equilibrado e harmonioso em todas as dimensões da vida humana, é urgente edificarmos uma cultura que respeite e edifique a pessoa e a sociedade em fundamentos sólidos para a verdadeira construção da paz.

Nesta edificação do ser humano e da sociedade no seu todo não poderá prescindir-se da condição transcendente da pessoa.

Esta verdade leva S. João XXIII a dizer que a «ordem moral-universal, absoluta e imutável nos seus princípios – encontra a sua origem e o seu fundamento no verdadeiro Deus, pessoal e transcendente» (Ib.38). Realmente, «Deus, verdade primeira e sumo bem, é o único e o mais profundo manancial, donde possa haurir a sua genuína vitalidade uma sociedade bem constituída, fecunda e conforme à dignidade de pessoas humanas» (Ib., 38).

Porque a paz verdadeira e com fundamento sólidos requer a presença de Deus no mundo por Ele criado, ao longo da história da salvação a paz torna-se um dom messiânico implorado e concretizado em Jesus de Nazaré.

Mas a paz é também tarefa de todos e cada um dos cidadãos e das autoridades públicas. Deste modo, «todo o cidadão e todos os grupos intermediários devem contribuir para o bem comum» (Ib. 53). Na verdade, «antes de mais nada, que devem ajustar os próprios interesses às necessidades dos outros, empregando bens e serviços na direcção indicada pelos governantes, dentro das normas da justiça e na devida forma e limites de competência» (Ib. 53). Aliás, «quer isso dizer que os respectivos actos da autoridade civil não só devem ser formalmente correctos, mas também de conteúdo tal que de fato representem o bem comum, ou a ele possam encaminhar» (Ib., 53).

Num mundo dilacerado pela guerra que persiste em reinar em muitos contextos do mundo de hoje, na paz que está longe de ser alcançada por cada pessoa, no interior de tantas famílias, nações e povos, reconhecemos quão importante é advertência do Papa Francisco, citando a Bento XVI, na Mensagem para este ano, quando sublinha que «quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho simplesmente secular e político» (nº 3). E, acrescenta realçando que «a acção do homem sobre a terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a edificação daquela cidade universal de Deus que é a meta para onde caminha a história da família humana» (nº 3).

Sentimos, tal como o Papa que «hoje, mais do que nunca, as nossas sociedades necessitam de “artesãos da paz” que possam ser autênticos mensageiros e testemunhas de Deus Pai, que quer o bem e a felicidade da família humana» (nº 5).

Ao apresentar os meus votos de próspero Ano Novo para todos os diocesanos, famílias, excluídos e pobres, emigrados e os que sofrem, convido a caminhar decididamente pelas sendas que podem construir uma paz digna do ser humano, profunda e duradoira.

Feliz Ano Novo!

 

+João Lavrador

Bispo de Angra e Ilhas dos Açores