Do Administrador Diocesano.
Caros diocesanos, açorianas e açorianos
O Natal é sempre uma originalidade, tal como quando um de nós nasce, ou nos nasce. A nossa história pessoal e coletiva é surpreendente, tornando-se possível que com o Natal de Jesus seja uma história de salvação. Não estamos perdidos! Um Menino nos é dado, como Deus e como Homem.
Acontece este ano uma particularidade nas ilhas dos Açores, estarmos sem bispo próprio. Neste caso, um órgão colegial local elegeu um Administrador Diocesano até que o Papa Francisco entenda por bem nomear aquele que será o 40º. Bispo de Angra.
Encontramos na comunhão de fé, esperança e fraternidade razões profundas para vivermos de um modo mais humano e também mais divino. Tal é o mistério da encarnação do Verbo de Deus que nos permite hoje e aqui, e a esta distância, uma inculturação do Evangelho pela ação do mesmo Espírito Santo.
Esta realidade, que não só nos faz vizinhos mas também irmãos, será de certo a primeira, mais antiga e duradoira experiência da nossa unidade regional, por um lado, e da nossa abertura universalista, por outro. Somos uma Igreja Local sem deixarmos de ser «missionários do Espírito Santo no mundo», abertos aos valores universais da dignidade de toda a pessoa humana, acrescentada no batismo pela sua vocação à santidade.
Pese embora a afirmação de que sem bispo não há Igreja, este é um momento de transição para darmos valor a tudo o que somos: às nossas gentes que tanto amamos, às ilhas que no seu verde e nas suas rochas não nos cansam, ao mar que rasga horizontes e profundidades desejadas e ainda não totalmente alcançadas.
Esta é uma oportunidade da afirmação da nossa maturidade como Igreja Local nos Açores, em que cada um é chamado a fazer bem e tudo o que lhe compete na sua casa, no seu trabalho, no convívio, e na sua comunidade, caminhando juntos em Cristo, em ordem ao Reino de Deus, que está já presente neste mundo e vai para além dele.
A Igreja é o Povo que vive em comunhão com o Pai, o Filho que nos é dado no Natal e o Espírito Santo derramado nos nossos corações.
Se não nos faltar o anúncio jubiloso do evangelho, – como o de hoje – «anuncio-vos uma grande alegria – foi-nos dado, nasceu para nós um Salvador»; se não nos faltar a força da oração e dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia; se não nos faltar o serviço, o cuidado, o amor uns pelos outros, sobretudo pelos mais vulneráveis e também pelos que são diferentes de nós, estamos já a ser uma comunidade cristã, guiada pela estrela do presépio.
Isto não nos deve envergonhar, mas pelo contrário – fiéis às nossas raízes e tradições, seremos criativos e criadores de um mundo que pode ser outro. Há uma diferença cristã que não podemos ignorar, pelo contrário, se deve promover, numa cosmovisão que começa na ilha, mas não acaba nela.
A mensagem de Jesus iniciada no presépio, que passa pela mesa e pela cruz, é de esperança, de um futuro melhor para quem vive marcado pela injustiça, pelo desequilíbrio, pela desigualdade, pela fome, pela violência ou pela solidão.
Um Natal que não desperte alegria, ainda que no meio de situações difíceis e de necessidade, em alguns casos agravados pela pandemia, que não seja de boa notícia para os pobres e angustiados existencialmente não será um nascimento de Jesus, mas simplesmente um aniversário festivo e vazio.
Não se trata de deixar, por esta ocasião, uma mensagem moral ou sentimental que propõe um dever ético e cívico a que todo o ser humano pela sua própria razão se deve unir.
Natal é sobretudo a alegria de conhecer, conviver, conversar, habitar e habituar-se a um Deus próximo que se une a cada um nós no caminho de uma história, partilhando os nossos desejos e preocupações, limites e fragilidades, assegurando-nos assim um horizonte humanizador, com futuro e eternidade, se lhe prestamos uma adesão de confiança.
O que o Natal quer dizer é que Deus não se cansa de nós, bate à nossa parte para entrar e cear connosco. No presépio, vem assumir as realidades onde passamos os dias, nas mais variadas e complexas situações de vida, que cada um de nós pode estar a passar agora.
O presépio e a árvore decorada em cada lar remetem-nos para uma certeza que nos enche a alma: a alegria da encarnação a que Deus se familiariza. Ele vive em nós, vive connosco, acima de nós; todavia desce do céu para nos ensinar a acolher o dom da ternura compassiva de Deus e a dar valor ao que é simples, pequeno e humilde, de tal modo que caiba em nós e nas nossas mãos.
Termino com a alegria e o ritmo da mensagem de um grupo muito jovem de música açoriana contemporânea – O Bel Cantus – que, para todas as idades, canta assim:
«Que esta nossa liberdade |trazida por um Menino |para toda a humanidade |no espírito natalino. Seja a força do amor |no nosso planeta terra |sem diferença de cor | pela paz e sem haver guerra. | Natal para todo o mundo |é com paz, amor e alegria | um sentimento profundo | que perdura em cada dia».
Boas festas. Um santo Natal.
Hélder Fonseca Mendes
Administrador Diocesano de Angra e Ilhas dos Açores