Santuário de Nossa Senhora da Conceição. Angra do Heroísmo |1 de fevereiro de 2023 [PDF]
Peregrinos da Esperança
1. O Senhor Deus fez a Adão e à sua mulher túnicas de peles e vestiu-os. Que veste lhes deu e nos dá a nós e que, de certa forma, nos cobre as misérias e pecados, nos completa a humanidade ferida? É a veste da graça, sem dúvida, recebida pelo batismo, mas tornada mais visível pela vocação a que chamou cada um, tornando-o capaz de testemunhar Deus. Ser chamado é ser capaz de dizer: “Tu és o Deus que me vê!” e me dá a veste do amor que tudo renova.
Caríssimos consagrados, Deus viu-vos, enriqueceu-vos com essa veste especial que é também o dom de um carisma que prepara para a missão. O consagrado é ainda alguém capaz de dizer como Simeão: “Já VI Aquele que me fará viver até à eternidade, não preciso de mais, posso morrer”! Encontrar Jesus faz relativizar tudo o resto. Quanto precisamos deste testemunho vivo: quem grite de alegria por ter o menino nos braços e que fale da alegria de ter esse menino.
Convido-vos, caros irmãos e irmãs, a manter esta veste sempre luminosa, numa fidelidade criativa ao carisma do fundador, mas atentos a dons sempre novos que o Espírito santo dá e vos torna, individual e comunitariamente, capazes de o tornar atrativo nos dias de hoje. Gritai como Simeão. É na figura deste homem um pouco misterioso que encontramos a esperança que é já missão. Reparai como se fala dele: era justo e piedoso e esperava a consolação de Israel. O Espírito Santo estava nele.. tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo… Impelido pelo Espírito, veio ao templo. A sua história está marcada pelo Espírito Santo. Como a de nós todos.
2. Vivemos num mundo conturbado por tantas convulsões e incertezas. Foi a pandemia, as crises económicas, as guerras, novos extremismos e nacionalismos e, aqui, também a sede vacante… Por onde anda a nossa esperança hoje? Naquele que Simeão mostra levantado ao alto… levado em braços? Se for, levaremos também nós a novidade de Deus à história humana. Como então, Ele será a esperança do seu povo. É esta a missão que nos faz sair, seguros e competentes. Disto nos fala este ano o prefeito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, numa mensagem para o dia do Consagrado. Ele convida a “alargar a tenda”, “uma atitude no centro da ação missionária” como lembra o Sínodo.
“A missão alarga o espaço de nossa tenda e ensina-nos a crescer em sincera harmonia, fortalecendo os nossos laços, caminhando juntos, com a solicitude de Maria e com a sua profunda alegria”, escreve D. João Braz de Aviz. Para viver a missão “à maneira de Deus, como vida consagrada”, é necessário o “sopro do Espírito, que oxigena a consagração, que alarga a tenda”.
Esta vigília tem um título sugestivo: Peregrinos de esperança. Entretanto este alargar a tenda para o Papa significa que “tudo isto será possível se formos capazes de recuperar o sentido de fraternidade universal, se não fecharmos os olhos diante do drama da pobreza crescente que impede milhões de homens, mulheres, jovens e crianças de viverem de maneira digna de seres humanos. Penso de modo especial nos inúmeros refugiados forçados a abandonar as suas terras. Que as vozes dos pobres sejam escutadas neste tempo de preparação para o Jubileu…” (Papa Francisco)
3. Mas no Evangelho há também Ana, quase insignificante, uma velhinha!!! Quem é? É aceitação feita louvor, oração, prece… Sabe-se quem é: uma profetisa, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Não se afastava do templo, participando no culto noite e dia, com jejuns e orações. Aparecendo nessa mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém.
Falar do ou da consagrada é pensar na raiz da sua vida, que precisa de ser regada, alimentada. A oração é o respiro da alma, o oxigénio de toda a nossa vida espiritual, a expressão do nosso amor a Deus, o carburante de toda a nossa atividade.
A oração deve constituir, de uma forma não somente exterior, um fio de ouro que liga a vida toda. Deve aparecer no que dizemos e escrevemos, no que fazemos e no como fazemos. Quem dera fosse um rio que escorre subterrâneo, somente de quando em quando emerge à superfície, permanece a maior parte do tempo escondido, mas está sempre presente, flui silencioso. Pode-se comparar ao húmus fecundo que alimente a vida de uma floresta. Para muitos de nós tem um aspeto discreto, simples, que não aparece em primeiro plano. São outras as dimensões que o mundo vê: a atenção aos irmãos, o amor recíproco, o diálogo com todos, a escuta, o empenho pelo bem comum, etc. Porém, essa tensão a manter a veste da santidade sempre a cobrir-nos, fruto da união com Deus, deve estar vivíssima em nós e a unir todos os aspetos da nossa vida, do trabalho ao descanso, vida familiar, comunitária ou contemplativa.
Muitas pessoas me pedem que rezemos por elas, provadas ou pouco confiantes nelas próprias. Se estamos juntos, costumo convidar: “então vamos já fazer juntos uma oração”; ou se o pedido vem por mensagem, paro e faço de imediato uma oração por essa pessoa. A oração nunca deixa morrer a esperança e também fortalece quem caminha. A oração é o alimento do peregrino.
+ Armando, Bispo de Angra